Críticas


BRASÍLIA 18%

De: NELSON PEREIRA DOS SANTOS
Com: CARLOS ALBERTO RICCELLI, MALU MADER, KARINE CARVALHO, BRUNA LOMBARDI
21.04.2006
Por Carlos Alberto Mattos
SOMBRAS SOBRE A CAPITAL

Duas mulheres mortas, um médico legista em crise pessoal, uma CPI em andamento, um senador corrupto, um cineasta acusado de assassinato, 18% de umidade no ar, uma bolsa cheia de dólares. Eis a Brasília noir que Nelson Pereira dos Santos nos serve em seu 18º filme de ficção, o primeiro após mais de 10 anos de produção exclusivamente documental. O roteiro de Brasília 18%, escrito em 1995 (à época do escândalo dos “anões do Orçamento”), se presta a alguns paralelos com patuscadas recentes, mas não é no comentário político que bate o coração do filme. Esse thriller compassado fala mais alto de amor e de morte.



Pulsa ali, sem dúvida, uma crônica das vicissitudes da capital federal. Nelson tem uma história de vivência da cidade que remonta a 1965, quando foi integrar o corpo docente do primeiro curso de cinema da Universidade de Brasília. Supervisionou, então, as filmagens do curta Fala, Brasília, o primeiro filme legitimamente brasiliense. Muitas vezes retornou, pilotando reivindicações da classe ou lutando pela instalação de um pólo de cinema. Ali filmou boa parte de A Terceira Margem do Rio. Voltou a armar sua barraca no cerrado para fazer um filme sobre os primeiros 100 dias do governo Lula, projeto de co-produção com a França que desmoronou logo depois da posse. Foi nessa ocasião que ele decidiu retomar o roteiro de Brasília 18%.



Suas anotações sobre a vida no Plano Piloto são o que o filme tem de mais divertido: o provincianismo, o desejo de evasão das pessoas, as conversas obsessivas sobre o clima, a vida que corre quente nos bancos dos carros etc. As cenas de sedução e de maquinações políticas a bordo de carros oficiais atestam a jovialidade com que Nelson continua capaz de “atacar” seus assuntos. Da mesma forma, num filme que trata de “dar nomes aos bois”, o fato de os personagens carregarem nomes de literatos célebres é fonte de uma ironia permanente. Se o filme tivesse sido lançado meses antes, talvez a eleição do cineasta à Academia Brasileira de Letras não fosse tão tranqüila.



O modelo do filme noir é adequadamente amparado pela fotografia de Edgar Moura. Sombras bem desenhadas sugerem a permanência de áreas obscuras, ingrediente fundamental na dramaturgia do gênero. Nesse aspecto, Nelson requer uma compreensão especial do espectador para com o legista Olavo Bilac, que chega de Los Angeles para identificar o corpo de uma assessora parlamentar, pivô de toda a trama. Embora seja o personagem central, Olavo (Carlos Alberto Riccelli) não é o agente da ação. É antes um catalisador de relatos alheios, alguém que mais ouve do que fala. Ele é um vácuo em torno do qual a máquina do poder mostra suas engrenagens. Em meio a pressões e interesses políticos, sua agenda é basicamente afetiva. É o legista que não aceita a morte. Nem da esposa – Laura, é claro –, nem da jovem e bela Eugênia Câmara (Karine Carvalho). Aceitar ou não aceitar, eis a questão que hamletianamente se apresenta ao fragilizado “herói” de Nelson.



Brasília 18% não está, certamente, à altura dos melhores momentos da carreira do autor de Vidas Secas e Memórias do Cárcere. Antes de mais nada, há uma literalidade pouco sutil na caracterização das maracutaias e da sordidez dos políticos e seus satélites. Por sua vez, o personagem do cineasta preso (Michel Melamed) nem se configura de per si, nem chega a representar a instância do artista dentro do filme. Há monólogos extensos para preencher lacunas de dramaturgia, limitações evidentes de produção (as cenas de CPI, por exemplo) e de massa sonora. O seqüestro da irmã de Olavo é apresentado de maneira especialmente canhestra.



Ressalvas feitas, cumpre festejar a vitalidade de um veterano que, aos 78 anos, atira-se sem medo em área de risco e não desiste da invenção. A fusão de ingredientes, gêneros e intenções em Brasília 18% traz a marca de um diretor que sempre viu o país com uma mirada crítica e o cinema com olhar apaixonado.





# BRASÍLIA 18%

Brasil, 2006

Direção e roteiro:
NELSON PEREIRA DOS SANTOS

Produção executiva: MÁRCIA PEREIRA DOS SANTOS, MAURÍCIO ANDRADE RAMOS

Fotografia: EDGAR MOURA, A.B.C.

Montagem: ALEXANDRE SAGGESE

Música: PAULO JOBIM

Direção de arte: ARTURO URANGA

Som direto: GEORGE SALDANHA

Elenco: CARLOS ALBERTO RICCELLI, KARINE CARVALHO, MALU MADER, OTHON BASTOS, BRUNA LOMBARDI, MICHEL MELAMED, NEY SANT’ANNA, CARLOS VEREZA

Duração: 102 minutos

Site oficial: clique aqui



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