Críticas


BLADE RUNNER 2049

De: DENNIS VILLENEUVE
Com: RYAN GOSLING, HARRISON FORD, ANA DE ARMAS, ROBIN WRIGHT, JARED LETO
06.10.2017
Por Marcelo Janot
Um filme sobretudo para adultos, que não faz concessões comerciais para agradar às jovens plateias cada vez mais mal acostumadas pelos filmes de super-heróis.

Ao contrário de franquias como “Star Wars”, que sobrevivem com novos filmes moldados calculadamente para satisfazer a legião de fãs de diferentes gerações, “Blade Runner 2049” não faz muitas concessões aos cultuadores do filme de 35 anos atrás. As aparições de Harrison Ford e Sean Young não são mero fetiche nostálgico, mas enriquecem a trama em momentos cruciais. Como se trata de uma continuação ambientada na mesma Los Angeles pós-apocalíptica, só que 30 anos depois (o outro se passava em 2019), o que vemos é um prolongamento de certas questões colocadas pelo primeiro (vale lembrar que o co-roteirista Hampton Fancher é o mesmo do original).

Há referencias explícitas que permitem novas associações: a solidão do mundo contemporâneo suprida pela companhia amorosa de um sistema operacional em “Ela”, de Spike Jonze, é reatualizada com uma substituta à altura da voz de Scarlet Johansson: o sistema operacional Joi, encarnado na forma de holograma pela belíssima e sensual atriz cubana Ana de Armas. Sua relação com o solitário K (vivido por Ryan Gosling com a melancolia habitual) é tão comovente como a retratada no filme de Jonze, com direito até a uma repetição da cena em que a mulher-sistema operacional recorre a um corpo de verdade, emprestado, para fazer sexo com seu “dono” – e a coisa finalmente dá certo.

O personagem de Gosling, batizado como (Joe) K e envolto em um pesadelo kafkiano, é outra alusão clara, dessa vez a Josef K, o protagonista de “O Processo”, de Kafka. O agente K de “Blade Runner 2049”, embora esteja a serviço da lei, também é um prisioneiro num mundo distópico e rigidamente controlado, como antecipou outro cult movie, a obra-prima visionária de George Lucas “THX 1138” (1971). As cenas de interrogatório, em que ele fica repetindo as palavras, lembram muito o que se sucede com Robert Duvall na branquidão asséptica do filme de Lucas.

A melhor coisa é que o filme não faz concessões comerciais para agradar às jovens plateias cada vez mais mal acostumadas pelos blockbuster de filmes de super-heróis, onde o ritmo vertiginoso da ação incessante deixa pouco espaço para pausas e reflexões. “Blade Runner 2049” é um filme sobretudo para adultos, e a direção de Dennis Villeneuve compreende isso. Os diálogos não são redundantes nem explicativos demais (embora o vilão vivido por Jared Leto seja um tanto caricatural) e as cenas de ação quase sempre desembocam na discussão filosófica-existencial que vem desde o primeiro filme. Outro benefício trazido é o de poder adentrar, com a devida calma, esse universo que ganha contornos fascinantes com a fotografia magistral de Roger Deakins, que capta todas as nuances do desenho de produção de Dennis Gassner e da direção de arte de David Doran, Bence Ederlyi e Lydia Fry.

Só ficou mesmo faltando a trilha sonora de Vangelis, um dos motivos para que o “Blade Runner” original tenha sobrevivido tanto tempo no imaginário coletivo. Não que Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch tenham feito um mau trabalho, longe disso. Fica claro como eles respeitam e tentam reproduzir a atmosfera do score original, até com uma breve citação perto do fim. Mas a ausência da música de Vangelis é um golpe mortal na memória afetiva de muita gente. Se o produtor Ridley Scott e o diretor Dennis Villeneuve forem espertos, eles lançam uma versão alternativa de "Blade Runner 2049" com a trilha sonora do filme de 1982 substituindo a desse em todas as cenas. Ou então a utilizam no próximo filme, pois já ficou claro que o final em aberto foi para sinalizar que teremos um novo episódio em breve.

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Outros comentários
    4623
  • Felipe Fontes
    06.10.2017 às 06:57

    Por incrível que pareça esse filme ficou bom! Ufffa!... Quero ver novamente, ainda estou digerindo. Realmente, a participação do Jared Leto deixou um pouco a desejar, acho que ele funciona melhor em filmes que não sejam ficção-cientifica, pois ele próprio já é uma figura estranha e quando é inserido nesse contexto acaba soando um pouco forçado. Fora isso e alguns detalhes de diálogos que achei meio clichê, o filme é muito bom!! E palmas para o Villeneuv, mais uma vez, que segurou a petéca com maestria!! Agora, na minha humilde opnião acho que é melhor parar por aqui, fazer uma continuação seria mais arriscado ainda...
  • 4624
  • Carlos Gonçalves
    06.10.2017 às 19:19

    Poxa, uma das coisas que mais gostei foi justamente a fidelidade dos novos músicos ao trabalho do Vangelis. A ambientação é total com o filme original. Belíssimo trabalho.
  • 4625
  • Allard Amaral
    07.10.2017 às 13:44

    "Blade Runner 2049" A aguardada sequencia de "Blade Runner O Caçador de Androides" de 1982, é um primor de efeitos visuais. Com estilo noir, cenários futuristas e cenas memoráveis num futuro distante: 2049. A história é instigante, cheia de reviravoltas, com muita ação e narrativa cadenciada. Curiosidades sobre um futuro sombrio, retratadas na fita, onde não falta emoção. A presença de Ryan Gosling (como K ou Joe) é eletrizante e a de Harrison Ford (Rick Deckard) obrigratória. Um entretenimento de alto padrão de ficção científica que vai ficar na memória de todo cinéfilo !
  • 4627
  • Maicon Antonio Paim
    09.10.2017 às 07:49

    Não fiquei com a impressão de final aberto. Sem falar que com base no exposto pelo crítico e no fim de semana de estreia, o filme deve ir mal nas bilheterias, sepultando uma possível sequência.