Críticas


VIDA E OBRA DE UM MESTRE

10.10.2017
Por Marcelo Janot
Documentário faz jus ao talento de Steven Spielberg

Os DVDs dos filmes de Steven Spielberg costumam vir recheados de extras no estilo “making of”, mas não lembro de nenhum deles chegar tão perto das ideias do cineasta quanto o documentário SPIELBERG, de Susan Lacy, que teve sua estreia mundial recentemente no HBO. Seria como compilar o melhor de cada making of individual e reunir tudo em perspectiva, permitindo a análise das diversas fases e dos temas preferidos do diretor, deixando claro como a assinatura de Spielberg se manifesta na obra desse grande autor contemporâneo, que ainda sofre com certo preconceito dos que só enxergam nele um eficiente diretor de filmes de entretenimento.

Pela primeira vez Spielberg é mostrado em família num documentário de longa-metragem. Ao mergulhar em sua intimidade, é possível perceber porque temas como a complicada relação pai-filho sempre estiveram presentes de forma marcante em seus filmes. Spielberg conta que o bullying sofrido pelo menino judeu de família ortodoxa e a traumática separação de seus pais (a mãe trocou o pai pelo melhor amigo dele, e Spielberg se afastou do pai porque a verdade só veio à tona anos depois) foram curados não em um divã de psicanálise, mas sim através da realização de filmes como “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, “E.T., O Extraterrestre”, “Indiana Jones” e “O Resgate do Soldado Ryan”. Este último, dedicado ao pai, simboliza a reaproximação de ambos. Os pais, aliás, se reconciliaram e dão depoimentos – ela morreu pouco tempo após o documentário ficar pronto, e ele completou 100 anos em fevereiro de 2017.

Mas a maior parte das duas horas e meia de duração de “Spielberg” é dedicada mesmo ao processo de concepção de seus filmes, os métodos de trabalho, o conhecimento técnico impressionante, tudo nas palavras não só do cineasta como de colegas (Martin Scorsese, Brian De Palma, George Lucas, Francis Ford Coppola), de seus colaboradores habituais, (o diretor de fotografia Janusz Kaminski, o compositor John Williams, o editor Michael Kahn), atores (Daniel Day-Lewis, Richard Dreyfuss, Leonardo DiCaprio) e críticos (J. Hoberman , Janet Maslin, Annette Insdorf), entre muitos outros.

O documentário tem a clara intenção de prestar um tributo a um grande cineasta, sem dedicar muito tempo a seus raros fiascos (como “Hook”) ou a quaisquer polêmicas, mas Spielberg fala abertamente do fracasso de “1941” e não se furta a abordar a adaptação de “A Cor Púrpura”, quando foi bastante criticado por amenizar o lesbianismo entre as personagens. Diz, com sinceridade, que deixou de fora trechos do livro, como a cena em que uma personagem observa sua vagina no espelho, porque não se sentiria bem filmando uma vagina.

São momentos como esse, ou quando ainda era um iniciante e recusou a pressão para refilmar a cena do caminhão explodindo em “Encurralado”, por achar que ele merecia uma “morte” lenta, entre tantos outros, que fazem de “Spielberg” um documentário mais que obrigatório.

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