Críticas


SUPERMAN – O RETORNO

De: BRYAN SINGER
Com: BRANDON ROUTH, KATE BOSWORTH, KEVIN SPACEY, PARKER POSEY
15.07.2006
Por Jaime Biaggio
O SOBRE-HUMANO DEIXA A DESEJAR

Como é possível? Em 2000, Bryan Singer fez do primeiro X-Men um dos melhores filmes de super-heróis já rodados e um dos grandes filmes daquele ano. Seis anos e uma boa parte 2 de X-Men depois, ele nos entrega um Superman – O Retorno de esterilidade proporcional à grandiosidade de sua estética. A ambição é muita. E o tombo é alto.



Não é possível, pensaria o admirador. A culpa não é dele. A culpa é do sistema. X-Men foi rodado por um diretor recém-chegado do cinema de baixo orçamento, afiado, cheio de gás e de vontade de injetar humanidade no cinemão, de apresentar a Hollywood as maravilhas de um cinema urgente, enxuto, com foco. Já a produção de Superman – O Retorno levou um tempão, muita gente meteu a mão. A essência da história e do conceito do herói podem ter se perdido ao fim desse processo, bem como a forma de Singer. Teria chegado ao set não o eficiente autor de Os Suspeitos e do subestimado O Aprendiz, mas um diretor enferrujado, com seu potencial embotado pela politicagem interna de estúdio.



Perfeito como tese. Só que tudo isso não explica nada. Grandes filmes saem de qualquer lugar, de qualquer contexto, de quaisquer condições de produção, de diretores que filmam todo ano e de diretores que não filmavam há uma década. Tentar explicar por aí seria ser condescendente com Singer quando, talvez, o problema seja ele.



Talvez o êxito estético de X-Men, filme de super-heróis tão humano e tão voltado para o heroísmo anônimo daqueles que lutam diariamente por respeito e por um espaço no mundo, já ajude a explicar. O Super-Homem, haja visto o nome, não é assim. Não pode ser assim. O personagem não é uma mutação do ser humano. É sobre-humano pela própria natureza, sua história remete à de Cristo, e isso não é papo recente, não (o filme de 1978, de Richard Donner, já ia por esse caminho, com tanta ênfase quanto este; se a memória dos que não o revêem há tempos é a de um filme mais discreto nesse sentido, isso é apenas o atestado de sua eficiência). Mexer com o Super-Homem é, necessariamente, saber como explorá-lo em contraponto ao elemento humano e nunca como humano em si.



Parêntese rápido: o melhor exemplo disso é justo aquele que parece negar essa tese. Clark Kent, a tentativa de um deus de brincar de humano, tão artificialmente atrapalhado, nunca convincente como bobalhão aos nossos olhos, e nem poderia ser (que os outros personagens nunca percebam a óbvia conexão entre ele e o Homem de Aço, e que há décadas as platéias não questionem isso, é certamente um irônico paradoxo – que só afirma a força do mito).



Voltando a Superman – O Retorno, o problema parece ser da falta de tato de Bryan Singer para com o sobre-humano. Com o humano, ele lida muito bem. Prova é o quanto o filme investe na relação Super-Homem-Lois Lane, na paixão não plenamente vivida, nos rastros emocionais e concretos. É o assunto principal do diretor, aquele por que ele parece de fato se interessar, ao qual dedica cenas longas, interpolações coerentes. Agora, se isso faz bem ao filme, cuja trama-base tem um caráter radicalmente oposto, épico (o protocolar plano maligno de Lex Luthor envolve a criação de um novo continente!), é outra história.



E é de espantar o desinteresse de Superman – O Retorno pelos aspectos sobre-humanos de sua trama – ou, melhor dizendo, pela narrativa propriamente dita. Ela avança da forma mais atabalhoada; coisas acontecem porque tinham que acontecer, sem cuidado em soldá-las à estrutura de forma coerente. Superman – O Retorno parece o fruto de um roteiro estranho, em que houve mais dedicação às filigranas do que ao alinhavar básico (ou, o que é mais provável, de um Frankenstein de roteiros).



A última hora é onde isso fica mais flagrante. É quando os contornos da trama adentram terreno quase místico e totalmente desprovido de senso espiritual. Um continente é criado, porque teria de haver uma grande ameaça à Terra; mas seus efeitos na superfície do planeta não parecem lógicos. O continente, gerado a partir de kriptonita, drena as forças do Super-Homem; mas, da forma como estão na tela, nem sua queda na armadilha nem sua eventual salvação convencem. De novo: parecem acontecer só porque ele tinha que sofrer um golpe em algum momento, e tinha que sair vivo ao final para voar em direção ao sol. Não é um filme sólido. Parece levado por um furacão: personagens e subtramas saem do ponto A e chegam ao ponto B, mas arrastadas, sem que se consiga extrair um sentido da viagem.



Ou seja, pode até haver um esforço de desenvolvimento de personagens (mais exatamente, dois personagens, Super-Homem e Lois Lane; o resto todo é acessório). Mas, sem que haja uma estrutura coerente para o resto, isso também passa em branco (e, sim, claro, Brandon Rouch e Kate Bosworth não ajudam em nada; ele, então, parece de plástico). Em Superman – O Retorno, há dois filmes em conflito e, pior, um deles parece simplesmente não interessar a seu diretor.



Restam os espasmos, os inevitáveis acertos de uma produção milionária (a seqüência do salvamento de um avião, por exemplo). Em duas horas e 40, é evidente que teria que haver momentos bem-realizados. Mas é pouco. Muito pouco.



# SUPERMAN – O RETORNO (SUPERMAN RETURNS)

EUA, 2006

Direção: BRYAN SINGER

Roteiro: MICHAEL DOUGHERTY E DAN HARRIS

Produção: GILBERT ADLER, JON PETERS, BRYAN SINGER

Fotografia: NEWTON THOMAS SIGEL

Edição: ELLIOT GRAHAM E JOHN OTTMAN

Música: JOHN OTTMAN

Elenco: BRANDON ROUTH, KATE BOSWORTH, KEVIN SPACEY, PARKER POSEY, FRANK LANGELLA, EVA MARIE SAINT, JAMES MARSDEN

Duração: 154 min.

site: www.supermanreturns.com.br

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