Críticas


BOM COMPORTAMENTO

De: BENNY SAFDIE e JOSH SAFDIE
Com: ROBERT PATTINSON, BENNY SAFDIE, JENNIFER JASON LEIGH
21.10.2017
Por Hamilton Rosa Jr.
Não estranhe se você sair do cinema com a sensação de ter visto o melhor filme norte-americano do ano.

Nada prepara o espectador pra explosão emocional de Bennie Safdie logo no primeiro plano-sequência de Bom Comportamento (Good Time, 2017). Nick, o personagem de Safdie, é um rapaz meio surdo e com problemas mentais numa sessão de terapia, se embananando com o bombardeio de perguntas do assistente social. A câmera se aproxima de seu rosto e as contradições entre o que diz, e como se comporta, se prolongam até o momento que um doloroso fio de lágrimas escorre de seus olhos; Lágrimas de raiva e dor, como se ele fosse um animal acossado num curral.

A atuação de Bennie (que por sinal, é um dos diretores do filme, junto com o irmão Josh Safdie) é incrível e o filme segue essa mesma toada de emoção crua, exalando pelos poros. Na sequência, entra em cena Robert Pattinson para salvar o irmão daquele pesadelo terapêutico. Pattinson é Constatine (Connie) Nickas, um pequeno traficante, ansioso para solucionar um problema à beira de piorar. Não sobrou nada pra sustentar a família Nickas. Pai? Mãe? Sabe-se muito pouco do clã desestruturado. O sonho de Connie é arrumar uma bolada e fugir com o irmãozinho daquela cidade onde os arranha-céus parecem muros de uma prisão. Nova York nunca foi filmada assim.

Mas ha algo mais a ser vivido para além daquilo a que as leis do meio fixam novaiorquinos como Connie e Nick. Connie se atreve a desrespeitá-las, improvisando uma solução estúpida: assaltar um banco levando o irmão problemático na rabeira.

Óbvio, o inesperado acontece. O débil Nick fica pra trás, e Connie, perplexo, não sabe se foge da polícia. De novo, temos a composição de uma cena patética, onde a gestualidade do personagem parece em curto circuito. Se entregar ou fugir? Por fim, ele covardemente escapa. Essa fuga, contudo, será cara para Connie. Pois é uma questão de honra consertar o estrago das circunstâncias.

Um batalhão de polícia cerca as ruas. Nick é conduzido para a cadeia e enfrenta a barra pesada do cotidiano penitenciário, enquanto Connie planeja como tirar o coitado da prisão.

O filme passa-se durante as 24 horas de um dia. Connie não dorme. Quando descobre que o irmão foi espancado no presídio e está num hospital, improvisa um plano para invadir o quarto e sequestrá-lo.

O clima de tensão é crescente. O realismo causa desconforto.

A direção de Bennie e seu irmão Josh Safdie propõe um novo tipo de investigação artesanal. O método de trabalho desses dois jovens da periferia de East Rivers, em Manhattan, busca o que eles chamam dos reflexos mais puros e verdadeiros de Nova York: a poça suja nas sarjetas. O humanismo que sobressai de seus filmes, são retirados de ensaios cênicos numa garagem com seus amigos loosers, desempregados, desajustados e ex-viciados. Em uma década, eles aprimoraram a técnica, aprofundaram os sentidos e passaram de diretores de pequenos ensaios sobre o submundo exibidos num canal do you tube, a sensação no Festival de Cannes em maio último.

Bom Comportamento é o terceiro longa deles. Tirando "Amor, Drogas e Nova York", o cinema dos irmãos, é quase um desconhecido no Brasil. Mas o magnetismo dos filmes é impressionante. Os tipos autodestrutivos desfilam em profusão na tela, só que em vez de causarem repulsa, apresentam um carisma cru do qual é realmente difícil se afastar.

Robert Pattinson, que por seu desempenho como Connie, vem sendo cotado para o próximo Oscar como melhor ator do ano, na verdade nunca tinha visto um filme dos irmãos Safdie. Mas ao se deparar com um still de cena da ex-dependente química Arielle Holmes em "Amor, Drogas e Nova York", se apressou em procurar os diretores.

Juntaram-se para criar um filme que inicialmente não tinha planejamento nem estrutura. Começaram com uma idéia, o drama de relacionamento entre um jovem fracassado e seu irmão deficiente mental. Pattinson e Bennie foram instigados a criar seus personagens como se fossem duas folhas em branco, a história ganhou corpo. O fato de uma estrela de Hollywood se envolver no projeto, trouxe os patrocinadores, e a produção ficou com um orçamento 30 vezes maior do que o último filme dos Safdie. Isso permitiu que avançassem para um plano inexplorado.

Isso poderia ter resultado, com seus ritmos fortes e esquemáticos, numa peça de segunda-categoria, mas a direção dos Safdie tem uma intensidade pulsante perfeitamente complementada pelo balanço eletrônico da trilha de Oneohtrix Point Never.

Não é pouco de se ver em um filme.

No decorrer, Bom Comportamento produz uma sucessão deslumbrante e arrebatadora de humores. Os diretores exercitam seus prodigiosos talentos visuais com comedimento incomum, e mantém alguns de seus desejos mais conflitantes em cheque. Como o filme é tão medido, tão melódico em suas explosões de invenção, o que poderia ser irritante, soa eletrizante. Por fim, a forma como os laços entre os dois irmãos em paralelo vão se afrouxando até parecerem irremediavelmente distantes, é uma evocação tão agridoce e sincera da realidade, que sobra muito pouco a nutrir do sonho americano.

Não estranhe se, por acaso, você sair do cinema com a sensação de ter visto o melhor filme norte-americano do ano.

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