Críticas


HUMAN FLOW – NÃO EXISTE LAR SE NÃO HÁ PARA ONDE IR

De: AI WEIWEI
21.11.2017
Por Hamilton Rosa Jr.
Um filme preciso na forma como reitera seu apelo à ação.

O artista visual contemporâneo chinês Ai Weiwei - cujos retratos de dissidentes políticos, formados por blocos Lego, estão em exibição no Museu Hirshhorn e no Jardim de Escultura em Washington - nunca se limitou a um único meio. Ao longo de sua carreira, o artista de 60 anos produziu esculturas, instalações, fotografias, vídeos e até mesmo uma série de publicações de mídia social que podem ser lidas como uma forma de arte de performance e como declaração política. O novo documentário doloroso de Ai, Human Flow - Não Existe Lar se Não Há para Onde Ir, é uma das estreias imprescindíveis desta semana.

Filmado em 23 países e retirado de 900 horas de filmagens de refugiados do Oriente Médio, África, México e outros lugares, o filme evita em grande parte os tropos de documentários padrão, usando comentários em off, análises e declarações. Em vez disso, o que temos é um documentário intuitivo e artístico, onde o êxodo de refugiados adquirem muitas vezes a forma de suas peças escultóricas, estabelecendo uma tensão criativa entre sua escala gigante e sua forma individual.

Sim, há uma certo esteticismo na forma como Human Flow aborda a realidade, mas ela é critica, ativa e engajada. Está aí a beleza do filme. Em algumas cenas, o diretor simplesmente transforma sua câmera num indivíduo - que pode ou não falar - forçando o público a enfrentar, durante um longo tempo, desconfortavelmente, a humanidade comum que compartilhamos com aqueles que são, muitas vezes, estatísticas. Em outras, usa drones para tentar mensurar o tamanho dos agrupamentos de refugiados. Tenta apenas, por que a multidão é tão extensa, que nem o ponto de vista do céu abarca o todo. É, sem dúvida, impressionante a imagem aérea de todos os salva-vidas laranja abandonados por migrantes em uma praia grega depois de cruzarem o Mediterrâneo, ou a cena do galpão gigante entulhado por milhares de pessoas fechadas em cubículos. Do alto, a imagem parece a maquete de um formigueiro montado in vitro por cientistas.

Em alguns pontos, Ai desliza o olhar do fluxo da humanidade para se concentrar em animais. Uma sequência sem palavras apresenta um rebanho de cabras em pele e osso correndo desorientadas de um lado para o outro de um acampamento, noutra um cachorro perplexo desvia de poças de fogo de uma refinaria recém bombardeada, no Iraque. E numa terceira, o diretor detalha o esforço e despesas hercúleos realizados, em 2016, para mudar um único tigre de um zoológico em Gaza para o sul-africano selvagem. Nesse ponto, o cineasta parece indagar implicitamente, por que parecemos nos importar tanto com certos seres vivos e não com outros.

À medida que viaja das praias da ilha grega de Lesbos até a fronteira da Macedônia, onde os refugiados se amontoam nas tendas da chuva, depois para um ponto de cruzamento na Jordânia, o cineasta muitas vezes se insere na ação. Ele mostra-se cortando o cabelo em um acampamento, agarrando um balde e tecidos para uma refugiada que passa mal e educadamente conversa com um guarda da fronteira dos EUA, que lhe dá um prazo de 30 minutos para filmar e sair do local. E também exagera, quando troca brevemente seu valioso passaporte, com a de um refugiado sírio, alegando que sua liberdade e riqueza não vale nada em face do desespero e da desesperança de tantos. A atitude resvala para uma crise salvacionista piegas.

Se, às vezes, não fica imediatamente claro qual dos 40 acampamentos de refugiados que Ai visitou - Grécia? Quênia? Itália? A Cisjordânia? - ou quem está na tela, isso no fundo importa muito menos que as evidências comparativas. Nos últimos cinco anos no mundo, mais de 44 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas para escapar da fome, da pobreza e das guerras, num êxodo monstruoso que não acontecia desde a Segunda Guerra.

O fato é que os deslocamentos são reais, cada vez mais extensos e a política-modelo em voga caminha em favor de cada vez mais fechar as fronteiras para essas multidões. Nesse sentido, o efeito de ressaltar o drama de cada um dos 40 campos de refugiados visitados cresce cumulativamente, como se o diretor insistisse em cada corte em afirmar que alguma coisa precisa ser feita. Urgente.

Pela graça do procedimento, Human Flow atinge o espectador no coração. É um filme triste, doloroso de ver, mas preciso na forma como reitera seu apelo à ação.

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