Críticas


ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE

De: KENNETH BRANAGH
Com: KENNETH BRANAGH, DAISY RIDLEY, JOHNNY DEPP, JUDI DENCH
01.12.2017
Por Luiz Fernando Gallego
Viagem num trem super-luxo para a plateia esquecer a verossimilhança e o mundo real.

O tamanho do ego de Kenneth Branagh pode ser medido pela idade que tinha quando escreveu sua autobiografia: trinta anos, um depois de ter estreado nos cinemas com uma nova versão de Henrique V que ele mesmo dirigiu e estrelou em 1989.

Não passou despercebido que foi com esta mesma peça de Shakespeare que Laurence Olivier havia estreado na direção muitas décadas antes; com a diferença de que Olivier já tinha um grande nome como ator de teatro e cinema. E daí? Branagh havia sido o mais jovem ator a viver este personagem nos palcos da Royal Shakespeare Company: 23 de idade.

Também como Sir Olivier, Branagh fez sua versão para as telas de Hamlet, uma espetacular adaptação de quatro horas com o texto integral da mais longa peça de Shakespeare. E do mesmo modo, não passou em branco ter interpretado o próprio Olivier no filme Sete dias com Marilyn (2011), no qual era retratada a atribulada relação da Monroe com Laurence durante as filmagens de O Príncipe Encantado (The Prince and the Showgirl) através do qual Olivier quis encontrar o sucesso popular que não havia obtido em sua terceira incursão cinematográfica shakespeareana (Ricardo III). Daí para frente a carreira de Olivier como cineasta esmoreceu, ao contrário de Branagh que insistiu em comédias do bardo, filmou uma Flauta Mágica de Mozart, mas dando à ópera outro enredo, e dirigiu até mesmo filme de super-heróis (Thor, 2011) e uma produção Disney (Cinderella, 2015). Agora, ele investe numa franquia com o detetive Hercule Poirot, criado por Agatha Christie, a qual ele pretende ter inaugurado com uma nova versão do romance Murder on the Orient Express, de 1937, já levado ás telas por Sidney Lumet em 1974.

Repete-se a fórmula de atores famosos em pequenos papéis, indo da veterana Judi Dench à novata Daisy Ridley (de Star Wars: o despertar da força), passando por Penélope Cruz, Michelle Pfeiffer, Willen Dafoe, Johnny Depp e Derek Jacobi. Fica a critério do espectador menos jovem a comparação com Sean Connery, Albert Finney, Vanessa Redgrave, Lauren Bacall, John Gielgud, Anthony Perkins - e até mesmo Ingrid Bergman - que estavam na versão de Lumet, sendo que a Bergman levou um terceiro Oscar por sua participação. Mas geralmente os personagens de A. Christie são bem estereotipados e os atores não têm muito o que fazer além de entrar com suas personas habituais. Neste sentido, o diferencial ficará por conta de Johnny Depp e de Michelle Pfeiffer - em alguns momentos com mais oportunidades

Branagh reservou para si o papel de Poirot e pretende retomá-lo no já anunciado Death on the Nile - que também será outra refilmagem; afinal, mesmo sem Albert Finney, Poirot foi vivido por Peter Ustinov em duas outras adaptações de livros de Agatha Christie depois do sucesso do Expresso Oriente de 33 anos atrás

Para os que não conhecem o filme anterior ou o livro original, quanto menos mencionarmos o enredo, melhor. Ficará uma questão sobre a moral da veneranda escritora em seu beneplácito para com a vingança e outra sobre a possibilidade de seus enredos ainda agradarem: afinal são crimes com soluções surpreendentes, mesmo às custas da verossimilhança. De uma época britânica ainda colonialista e com rígida distinção de classes sociais, a escritora, entretanto, angariou fãs no mundo inteiro e seus livros ainda vendem muito. O novo roteiro tentou dar mais ação à fórmula de apresentação das soluções encontradas pelo detetive para resolver o assassinato, mas tudo se passa mesmo em um mundo anacrônico e fantasioso que pode encantar as plateias.

Se Shakespeare não rendeu tanta popularidade, Agatha Christie - mais traduzida para as diversas línguas do que seu conterrâneo - poderá, quem sabe, satisfazer o ego de Braganah. Ele é um excelente ator e um diretor esforçado que às vezes acerta. Seus melhores acertos ainda estão mais ligados a Shakespeare, mas desta vez, a viagem é de luxo num trem super-luxo. Para esquecer o mundo real lá fora.

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