Zuzu Angel é um filme ruim. Mas seu problema maior nem é propriamente esse. A questão que realmente conta é a natureza desta que, esperava-se, seria a principal obra do cinema brasileiro em 2006 no plano mercadológico.
Zuzu Angel é um telefilme. Isso, sim, chama a atenção ao longo de toda a sua projeção. Da estrutura do roteiro – que sai da trilha linear, mas sempre procurando não perdê-la de vista – aos valores de produção – apenas adequados, suficientes para atingir as metas básicas de um filme-de-época, sem grande personalidade –, este é o equivalente brasileiro de vários produtos medianos da HBO de cerca de dez anos atrás ( Gia e Norma Jean & Marilyn vêm à cabeça).
Não confundir com a média da produção da HBO americana de agora, bem entendido: hoje, naquele e noutros canais, já se alça vôos mais altos, em termos narrativos e estéticos. Linha de produção por linha de produção, na média, a TV paga americana vem revelando melhor nível que as do cinemão-pipoca e do cinema "independente". Para usar uma frase de efeito, parte do melhor cinema americano do momento se faz na TV. Mas Zuzu Angel nada tem a ver com isso. Está na rota contrária. Não transcende as características básicas de seu meio; pelo contrário, parece ter medo de adotá-las. Seus movimentos são engessados.
Sérgio Rezende é um cineasta que, em seus melhores momentos, dificilmente vai além do correto, do feijão-com-arroz. Só que, em O Homem da Capa Preta , Lamarca , até mesmo Guerra de Canudos , que, de fato, virou minissérie depois, a panela desse feijão-com-arroz era o cinema. Idem nos filmes mais recentes, mais pessoais – e mais capengas. Eles ainda exploravam os espaços da tela e procuravam o tempo da narrativa (e não que isso não seja possível dentro do universo dos enquadramentos e cortes de matriz televisiva; Lisbela e o Prisioneiro , ótimo filme, já comprovou isso).
Zuzu , um pouco como aqueles telefilmes americanos de uma década atrás, procura apenas se equilibrar entre o desejo de manter um certo "nível" de acabamento dramático básico (no sentido, por exemplo, de um investimento minimamente cuidadoso no trabalho dos atores) e o compromisso de não "perder" o espectador. E, claro, como uma minissérie qualquer das que se assiste falando no telefone, perder não perde, mas também nunca o ganha.
Até aqui, o que se fez foi descrever o que é o filme. E ele é algo que realmente não parece pertencer a uma sala de cinema. E, sem querer especular, mas já especulando (ok, querendo, então!), a sala cheia de lugares vagos numa sessão de dez da noite de sexta-feira no Unibanco Arteplex e o relato de uma sessão simultânea no Leblon 1, essa decididamente vazia, ambas no dia em que o filme abria aquele que seria o seu segundo fim de semana em cartaz, parecem dar conta de que o boca-a-boca está induzindo os espectadores a essa exata conclusão.
Até aí, ainda poderia ser meramente o caso de um bom filme no lugar errado. E o cinema brasileiro está cheio desses (na seara do documentário, então, é um exemplo atrás do outro, daqueles que todo o mundo percebe, menos os diretores). Ou seja, Zuzu Angel poderia vir a encontrar sua razão de ser quando passasse na Globo em horário nobre. Ali, poderia passar a fazer sentido. Ganhar relevo e relevância. Encontrar um público que estivesse na mesma freqüência de onda. E, assim, revelar qualidades antes insuspeitas.
De fato, dá para apostar que quase tudo isso ainda venha a acontecer. Menos
a última parte. Zuzu Angel não vai virar um bom filme no contato com a tela pequena. Pode até deixar de ser ruim, tornar-se passável, passível de ser ignorado. Bom não vai ficar. Não é ambicioso o bastante para isso. Não é sequer cuidadoso o suficiente para isso (há alguns closes e planos médios esquisitos mesmo, em que atores falam quase olhando diretamente para a câmera). Embora, por natureza do projeto (ou seja, por osmose), forneça um palco a Patrícia Pillar, o filme tem uma formação descritiva que não permite a ela ocupá-lo. Patricia tem uma função ali: carregar Zuzu Angel nas costas de um ponto a outro da história e comunicar ao público como-ela-está-se-sentindo-no-meio-de-tudo-isso. A atriz está trabalhando. Tem uma tarefa a desempenhar. Portanto, não consegue brilhar, construir uma personagem rica. O palco não tem espaço e o espetáculo não tem tempo para isso.
Ou seja, até arrancar da platéia o esperado comentário-clichê "nossa, mas
ela está tão bem!" fica difícil. Não que ela esteja mal. Só não está tão
bem. Não é culpa dela. Zuzu Angel está em Zuzu Angel apenas para contar a sua própria história.
Em tese, era de se esperar do filme mais do que isso. Era de se esperar
certa ressonância da história de Zuzu na História propriamente dita. Usá-la como uma ilustração glamourosa dos anos de chumbo e da tragédia que representaram para várias trajetórias no Brasil (pode não ser o mais original dos propósitos, mas é um propósito). O filme, nesse ponto, até dá o seu recado direitinho, didática mas incisivamente. Passa, sim, a atmosfera de desesperança, de instituições – Forças Armadas, Justiça, Igreja – integradas de forma a impedir que verdades incômodas venham à tona. Além disso, é aí que entra Daniel de Oliveira, o ator que melhor se entende com os espaços dramáticos que o filme lhe abre (ajuda o fato de o seu Stuart ter mais função simbólica, icônica, que qualquer outra coisa). Só que a tal ressonância maior não ocorre, tão centrado que o filme está na dor particular de Zuzu.
E esse é o grande paradoxo de Zuzu Angel . É um filme que fecha suas questões em torno de uma personagem e fecha todos os espaços para ela carregar tais questões. Só resta a ela a função de narradora. Não tem muito como funcionar. Mesmo assim, pode ser que dê ibope depois da novela. Respostas dentro de um ano, um ano e meio.
# ZUZU ANGEL
Brasil, 2006
Direção: SERGIO REZENDE
Roteiro: SERGIO REZENDE, MARCOS BERNSTEIN
Produção: JOAQUIM VAZ DE CARVALHO, DANIEL FILHO
Trilha Sonora: CRISTÓVÃO BASTOS
Fotografia: PEDRO FARKAS
Elenco: PATRICIA PILLAR, DANIEL DE OLIVEIRA, LEANDRA LEAL