Com a realização de Vôo United 93, percebe-se que os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA significaram o início de uma nova ordem mundial também no cinema. A fronteira entre o filme-catástrofe e o documentário subitamente desapareceu, e pelo motivo mais triste: um avião cheio de passageiros derrubando as torres do World Trade Center não é mais fruto da imaginação absurda de algum roteirista hollywoodiano. Os clichês do cinema passaram a ser os mesmos da vida real, como o maniqueísmo encarnado nas figuras do Mal (terroristas) e do Bem (os demais personagens), o dramalhão de pessoas a bordo telefonando para casa, o heroísmo dos que tentaram dominar os seqüestradores para retomar o controle do avião.
Tudo isso aconteceu com o Boeing 757 da United Airlines no vôo que decolou de Newark com destino a San Francisco e caiu num descampado em Shanksville, na Pensilvânia, matando seus 44 ocupantes. O que o diferencia dos outros três vôos trágicos daquela manhã, que atingiram as torres e o Pentágono, é que neste os terroristas não cumpriram seu objetivo, supostamente atacar o Capitólio, em Washington. Em sua visão do episódio, baseado nos depoimentos de familiares dos mortos e nas comissões de investigação dos atentados, o diretor britânico Paul Greengrass atribui tal fato à coragem dos passageiros. Eles teriam dominado dois dos seqüestradores e invadido a cabine, onde outros dois pilotavam o avião.
A abordagem de Greengrass é semelhante à de seu ótimo filme Domingo Sangrento (2002). Ele utiliza atores desconhecidos misturados a profissonais da aviação, imprimindo ao filme um tom documental, reforçado pelo uso da câmera na mão, frenética como o acontecido sugere. Os fatos são acompanhados praticamente em tempo real, do momento do embarque aos 90 minutos de duração da viagem, alternando-se entre o interior do avião e as salas de controle de vôo dos aeroportos e da Força Aérea.
O diretor e roteirista não procura investigar ou julgar os motivos do atentado, como fez Michael Moore em Fahrenheit 11/9. Nada se sabe da vida dos passageiros e nem da dos terroristas. Estes não usam barba nem turbante, como manda o estereótipo. Fisicamente, poderiam passar por brasileiros ou italianos. O nervosismo aparente e o fato de rezarem o tempo inteiro pode ser interpretado como um desejo de Greengrass de mostrá-los não como assassinos frios e calculistas, mas como seres humanos em missão religiosa suicida. Entretanto, sua isenção política esbarra numa dúvida: por que ele teria escolhido contar justamente a história do vôo em que todos perderam, mas o "vilão" não venceu? Será por tratar-se de um filme financiado pelos americanos?
Seja qual for a resposta, Vôo United 93 é um dos filmes mais tensos dos últimos tempos, em parte porque sabemos que agora nada mais daquilo é de mentirinha. Basta tentar embarcar para os EUA e observar a paranóia generalizada. Até mesmo Lewis Alsamari, o ator britânico nascido no Iraque que interpreta o terrorista de óculos, não pôde comparecer à sessão de estréia do filme nos EUA porque teve o visto de entrada negado.
# VÔO UNITED 93 (UNITED 93)
EUA, 2006
Direção e Roteiro: PAUL GREENGRASS
Fotografia: BARRY ACKROYD
Edição: CLARE DOUGLAS, CHRISTOPHER ROUSE, RICHARD PEARSON
Música: JOHN POWELL
Elenco: LEWIS ALSAMARI, JJ JOHNSON, GREGG HENRY
Duração: 111 min.