Com certa generosidade na exibição das formas de Jennifer Lawrence, a primeira suspensão de descrença que este filme exige do espectador é aceitar que com tal corpão, a personagem Dominika Engorova, encarnada pela atriz, seja uma primeira bailarina do Bolshoi: bailarinas geralmente são mais miúdas, sem as curvas que a câmera nos mostra. Por outro lado, as perucas com franjas são das piores coisas que uma atriz já usou.
Uma segunda questão, ainda referente à atriz, diz respeito à sua segunda atividade, ligada à espionagem: ela faz “poker face” com tanta frequência que sua inexpressividade transborda para quase todas as cenas, muito além dos momentos em que a espiã precisa camuflar suas intenções e pensamentos. Depois de sofrer o pão que o diabo amassou em “Mãe!”, ela agora vai sofrer o pão que o Kremlin cozinhou para a pobre Dominika.
E aí temos um terceiro aspecto insatisfatório do enredo: os russos são maus, muito maus, sem ética nenhuma no campo da espionagem (oi?) enquanto os americanos são até capazes de dizer que não fariam certas coisas (oi? oi?). Que tal uma reciclada nos livros de John Le Carré? Como este autor sugeriu reiteradamente, no terreno de espionagem/contra-espionagem as palavras “ética” ou “moral” nunca existiram, seja de que lado se esteja falando.
A ressurreição da guerra fria entre Rússia e Estados Unidos em tempos de namoro entre Trump e Putin também soa forçada, faltando uma boa dose de verossimilhança nos assuntos tratados pelo enredo. Nem mesmo a reviravolta do desfecho consegue salvar o filme.
A música onipresente, tentando mimetizar acordes de Bernard Hermann em Um Corpo que cai, assim como o desperdício de atores mais talentosos do que a estrela, como Jeremy Irons (no piloto automático) e Mary-Louise Parker (a única que consegue algo parecido com uma boa interpretação) são lamentáveis. Mas nada pior do que ver Charlotte Rampling dando “aulas” para espiões e induzindo seus pupilos (os tais “sparrows” do título) a usar sexualidade pervertida para atingir seus objetivos. A caricatura dos russos em contraste com o bom-mocismo dos americanos é patética, assim como alguns diálogos, certamente candidatos às próximas “framboesas” de prêmios para filmes vexaminosos.