Críticas


A NATUREZA DO TEMPO

De: KARIM MOUSSAOUI
Com: MOHAMED DJOUHRI , HANIA AMAR, MEHDI RAMDANI HASSAN KACHACH
20.05.2018
Por Luiz Fernando Gallego
Mais importante do que qualquer “conclusão” terá sido acompanhar “fatias” de vidas dos personagens.

Especialmente estimulante para espectadores que tolerem enredos com “fatias” de tempo inconclusivas sobre as vidas dos personagens que aborda, este filme argelino lançado no Festival de Cannes de 2017 é capaz de surpreender - e até mesmo empolgar - ao longo de sua duração, deixando um gosto de “quero mais” ao seu término. Frágeis ligações fortuitas fazem com que se abandone cada enredo (nenhum chega a formar uma “história” propriamente dita), passando a outro.

Algo arbitrariamente, personagens de cada trecho podem surgir – ou não – em outro momento. De certo modo, são três episódios que unem/afastam pessoas mais abonadas e outras em estado de quase miséria. Na primeira parte do filme tudo se centra em Mourad, um homem mais velho que transita entre sua ex-mulher, a atual e o filho do primeiro casamento. Bem sucedido financeiramente, à sua volta todos só manifestam insatisfação, inquietude e indefinição. A ex-esposa, com quem mantém uma relação amistosa, reclama que “nada muda” no país; a atual, mais nova, se sente alijada do marido e do país, havendo pistas de que vivia na França e não se adapta em Argel; enquanto isso, o filho de Mourad parece desestimulado com sua Faculdade, preocupando os pais. Quase nada acontece: há informações sobre corrupção em concorrências para obras encomendadas pelo governo e pode-se testemunhar violência em lugares ermos da cidade. Subitamente, a câmera abandona Mourad para se centrar em seu motorista que lhe pede alguns dias de folga para assumir outro trabalho.

Djabil, o motorista, vai transportar um conhecido, sua esposa e filha que está noiva até a cidade onde mora o futuro marido da bela Aicha. Agora, um novo enredo parece se esboçar de modo mais definido: Aicha, de família mais bem situada, e o motorista, pessoa de menos recursos, teriam mantido um namoro. Assim como os atores do casal mais velho no trecho anterior, o casal de atores mais jovens é capaz de dizer mais do que as palavras que pronunciam e o filme surpreende em duas cenas onde música e dança surgem como rompantes de vitalidade em uma rotina apática. São os momentos mais instigantes do filme.

Não é sem dó que abandonaremos esses personagens pelo de um dedicado médico neurologista de meia idade que parece estar sempre à espera de uma promoção no hospital onde trabalha (o título original do filme, En attendant les hirondelles, alude à espera das andorinhas que coincidem com a chegada do verão ou da primavera) e está com casamento marcado. Não, não é com a noiva do episódio anterior. Seu problema não será casar com alguém que ama o antigo namorado, mas com a acusação de uma mulher muito pobre: ele teria uma certa mancha em seu passado, ainda que ela mesma diga que “ele não era igual aos outros”. O quanto ele fez ou deixou de fazer para sentir-se mais ou menos responsável pela situação do filho gravemente deficiente desta mulher, jamais saberemos: um novo personagem, indefinido, caminha ao som da mesma música de Bach (Cantata 82, na voz suave do barítono Dietrich Fischer-Dieskau) escutada diegeticamente na vitrola da casa de Mourad no primeiro episódio e que reaparece de forma não-diegética nos episódios seguintes. E não é sem deixar uma certa perplexidade que o filme suspende sua narrativa.

Mais importante do que qualquer “conclusão” terá sido acompanhar “fatias” de vidas tão plausíveis como reais, sem pretender uma construção mais ficcional para dramas cotidianos suficientes para deixar um misto de desalento e expectativa de que, um dia, chegue algo mais do que andorinhas.

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