Críticas


PARAÍSO PERDIDO

De: MONIQUE GARDENBERG
Com: LEE TAYLOR, JULIO ANDRADE, JALOO, HERMILA GUEDES, ERASMO CARLOS.
31.05.2018
Por Luiz Fernando Gallego
O melhor do filme são os números musicais.

Consta que um dos momentos mais apreciados pelo público original das tragédias gregas eram as “cenas de reconhecimento”: por exemplo, quando Electra descobria que o estrangeiro que havia trazido as supostas cinzas do irmão morto, Orestes, era, na verdade, o próprio Orestes disfarçado. Se neste momento havia júbilo, em “Édipo Rei” era terrível para o personagem descobrir que ele mesmo havia sido o assassino de seu pai; e que sua esposa, Jocasta, era sua própria mãe. Com o tempo, a revelação de intrincadas tramas familiares transformou-se em um dos clichês mais usados e abusados na dramaturgia de melodramas, chegando à saturação e ao ridículo nas antigas novelas de rádio. Seja como for, tais enredos se mantêm no gosto popular e é este tipo de trama o caminho básico da história de Paraíso Perdido, o mais recente filme de Monique Gardenberg.

A diretora parece estar buscando uma aliança com o imaginário das massas: depois de cortejar a comédia popularesca no seu filme anterior, Ó Paí, Ó (de 2007, que teve sucesso de público, foi para a TV e vai ter continuação nas telas), ela recorre também ao cancioneiro romântico, comumente taxado de “brega”, além das rocambolescas tramas de relações familiares obscuras, ainda que se mantenha bem distante dos dramalhões novelescos. Depois que Pedro Almodóvar atingiu resultados ótimos na reciclagem do melodrama, ficou mais fácil seguir tais caminhos sem correr riscos de execração como meramente “bregas”. Ainda que sem a mesma ironia e humor do espanhol (que, aliás, parece ter esgotado um pouco desta sua inspiração nos últimos tempos), Gardenberg acerta no tom quando reaproveita pérolas musicais do gênero estigmatizado como “cafona” e evita o clima derramado dos antigos folhetins cubanos.

Com direção de arte e fotografia caprichada que faz lembrar algo da estética dos filmes “neon-realistas” dos anos 1980, o espectador é levado para a boate ou cabaré que dá nome ao filme, e que é, ao mesmo tempo, super-família: cantores e o mestre de cerimônias/empresário são parentes, apoiando-se mutuamente. O gancho para a história acontecer surge na contratação de um policial civil, Odair, como segurança da casa, visando especialmente proteger a drag queen Imã que tem sofrido ataques homofóbicos. Fora do “Paraíso” coisas ruins acontecem e os artistas vivem o dia-a-dia prosaico de taxistas, manicures, entregadores, mas como anuncia o mestre de cerimônias José (Erasmo Carlos), no “Paraíso Perdido” é possível ser feliz e a vida comum é para ser esquecida do lado de fora, ali é possível amar.

O elenco é um trunfo especial do filme, ainda que nem sempre os atores tenham chance de ir mais além dos tipos criados pelo roteiro: talvez sejam personagens em demasia e vários não ganham mais estofo na ciranda de vínculos que podem uni-los. Um destaque é o estreante Jaloo como Imã, privilegiado em diversos números musicais, revelando ter “star quality”. Julio Andrade é o ator versátil de sempre, agora chamando atenção também como cantor. Hermila Guedes sabe compor sua “Eva” com sutilezas, especialmente depois que a personagem sai da cadeia. Lee Taylor se sai bem como Odair, personagem-guia do espectador que nos leva a conhecer os demais. Mas em todos os tipos fica uma impressão de superficialidade que chega ao desperdício de atores, como no caso de Seu Jorge. E também de Marjorie Estiano, Humberto Carrão e Malu Galli (ainda assim, esta aparece melhor do que em Aos teus olhos).

Os números musicais são todos ótimos, o melhor do filme, mas deixam a impressão de que não conseguem deixar de expor os “buracos” do roteiro: o filme é mais interessante como musical e menos satisfatório no ritmo que claudica um pouco do meio para o final.

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Outros comentários
    4787
  • Ivan
    15.06.2018 às 07:45

    Eu tenho muito orgulho do cinema brasileiro!