Jocelyn, um empresário rico e mitômano à beira dos 50 anos, tem o costume de inventar falácias mirabolantes para conquistar jovens mulheres. Num desses golpes, ele finge que é cadeirante para seduzir uma cuidadora de deficientes, e acaba por se apaixonar pela irmã dela, esta sim, paralítica. Em pleno 2018, meus caros amigos, essa é a premissa de De carona para o amor (versão de mau gosto para o título francês, igualmente de mau gosto, Tout le monde debout, algo como “Todos de pé”), escrito, dirigido e protagonizado por Franck Dubosc.
Claro que, há anos, as comédias românticas têm a tendência a apresentar a jornada de homens nada agradáveis e das mulheres que eventualmente os salvam, os melhoram, os ensinam a ter caráter e os levam a se regenerar (clichê narrativo que, em si, deve ser repensado). No caso do filme em questão, no entanto, esse processo de regeneração é completamente inverossímil. Fica difícil manter qualquer traço de empatia por um homem de meia idade que trata mulheres como pedaços de carne (e pululam os planos de peitos e bundas, repetidos à exaustão) e é capaz de fingir uma deficiência para conseguir sexo.
A construção das mulheres na narrativa parece refletir o machismo da visão de Jocelyn, e todas elas são personagens de papel cartão: a secretária avoada, a cuidadora gostosa e divertida, e, finalmente, Florence (Alexandra Lamy), uma mulher tão espetacularmente perfeita que sua deficiência parece apenas contribuir para seu caráter angelical e heroico. Florence é tão linda, tão impressionante (a moça é, ao mesmo tempo, uma tenista de sucesso e violinista de uma orquestra renomada) e tão gentil e abnegada que o espectador se pergunta o que ela estaria fazendo perdendo seu tempo com um tipo desses, e acaba por concluir, dado o canhestro andamento da trama, que ela o aceita por conta da sua deficiência, que a coloca em “desvantagem” com relação às mulheres “normais”. É tudo tão questionável que o interesse do protagonista na mulher emerge quando ele a vê jogar uma partida de tênis com grande vigor e consegue olhá-la como havia olhado até então para o sexo feminino: sob a via da objetificação. E se o corpo de Florence é tratado de forma menos carniceira pela fotografia, ele também é alvo dessa dissecação, com muitos planos ponto de vista de Jocelyn dedicados a isso.
Tudo isso temperado com piadas que parecem saídas direto de um programa noturno de sexta-feira dos anos 1990, focadas em deboches com diversos tipos de deficiência, consultas ao urologista e velhice. Poderíamos chamá-las de piadas fáceis, se elas ao menos funcionassem. O pior de tudo, em realidade, é o triste argumento subentendido: a redenção de Jocelyn está posta em seu interesse amoroso por uma mulher “imperfeita”, ainda que ela seja perfeita sob todos os aspectos possíveis, à exceção, é claro, da sua disposição para lidar com um homem dessa estirpe.