Críticas


ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS, O

De: CAO HAMBURGER
Com: GERMANO HAIUT, SIMONE SPOLADORE, CAIO BLAT
01.11.2006
Por Nelson Hoineff
TORCENDO PELO INIMIGO

Toda cinematografia tem seus temas recorrentes – e há anos o golpe militar de 64 é o mais recorrente dos temas sobre os quais a cinematografia brasileira se debruça. Dezenas de filmes foram feitos tendo o período militar como objeto ou pano de fundo. A maioria, apoteótica ou literal. Não é um vício inerente à temática. Decorre da maneira pela qual se consagrou contar uma história no cinema brasileiro, desde que a televisão passou a ditar o seu modelo de dramaturgia.



Quem for buscar contra-exemplos vai necessariamente esbarrar em O Ano em que meus Pais Saíram de Férias . Muitas razões fazem deste um filme singular. A primeira torna dispensáveis as demais: a obra é construída com volume. Não exige superposição de leituras para que se possa pactuar com os personagens ou as ações em que eles se envolvem.



Filmes de época e a cinematografia brasileira têm um longo histórico de dificuldade de aderência. Não aqui. Nenhuma generosidade é necessária para que se acredite na história que está sendo contada. É uma questão de roteiro? É. Mas é também uma questão de direção de fotografia, de desenho de arte, de interpretação. É uma questão principalmente de rigor no que une isso tudo, a direção.



O Ano em que meus Pais saíram de Férias é um filme rigoroso – e essa é uma das razões que o tornam incomum. Grande parte da ação se desenrola numa comunidade judaica do bairro de Bom Retiro, em São Paulo, durante a Copa do Mundo de 1970. Cao Hamburger não se contenta em fazer uma reconstituição minuciosa desse pequeno universo; ele o povoa com personagens relevantes que agem de forma verdadeira. Narrado na primeira pessoa por uma criança cujos pais vão para a guerrilha e a deixam com parentes distantes, não impõe ao espectador a visão do mundo pelo filtro desse personagem. Ele o envolve com habilidade nos outros vetores que compõem os mundos que estão ao seu redor: o da comunidade eskhenazi, o dos aparelhos, o do movimento estudantil. Mais do que descrever, Hamburger mergulha na essência desses universos. Pode parecer uma ação prosaica. É na verdade uma experiência essencial.



Um jovem militante se empolga com gol da Tchecoslováquia contra o Brasil. A Tchecoslováquia é um país socialista, o Brasil está sendo dirigido por Médici. Logo em seguida, o militante vibra mais ainda quando o Brasil faz o seu primeiro gol. Tomado ao acaso, ele é emblemático da maneira como todo o filme se constrói. Os diálogos na sinagoga do bairro, a simples descrição de uma anciã com pouca visão servindo o lanche, tudo pode ser extraordinário. O garoto é o vértice onde vários mundos se encontram e todos eles são regidos pela expressão de culturas que dificilmente poderiam ser melhor expressas.



De tão rigoroso, O Ano em que meus Pais saíram de Férias deixa à mostra imperfeições históricas que dificilmente seriam percebidas em outros filmes: na época não havia spray de parede e as pichações eram feitas com piche; o cumprimento batendo com a palma da mão ainda não era usual; e Brasil x Tchecoslováquia foi jogado à noite.



Se essas são as ressalvas, então o mínimo que podemos concluir é que estamos diante de um grande filme – um dos mais completos, pelo menos, produzidos este ano no país.



# O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS

Brasil, 2006

Direção: CAO HAMBURGER

Elenco: GERMANO HAIUT, SIMONE SPOLADORE, CAIO BLAT

Duração: 110 minutos

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