Filmes em episódios são insatisfatórios por definição. Os melhores segmentos são neutralizados pelos piores e a lembrança que fica, em geral, é de uma colcha de retalhos. Quando um filme reúne nada menos que 18 episódios de aproximadamente 5 minutos, esses problemas tendem a se agravar bastante. Apesar disso, não é ruim a impressão deixada por Paris, Eu te Amo, produção francesa que retoma a idéia de Paris Visto Por (1964, Godard, Chabrol, Rohmer, Rouch, Jean Douchet e Jean-Daniel Pollet). Agora, porém, foram chamados diretores de várias partes do mundo, o que diversifica tanto os aspectos da cidade abordados, quanto as formas de vê-la.
O lugar-comum de que Paris é a capital do amor e do romantismo é questionado a cada dois episódios. São muitos os desencontros e as ironias. Walter Salles e Daniela Thomas, responsáveis por Longe do 16º (arrondissement) são os únicos a bater a tecla das diferenças de classe. Com simplicidade minimalista, mostram uma imigrante latina (Catalina Sandino Moreno, de Maria Cheia de Graça) deixar o seu filho bebê no subúrbio para ninar o filho da patroa no bairro chique. O sul-africano Oliver Schmitz também fala da má sorte de imigrantes, com uma história de amor nascida em meio à intolerância.
O tema dominante, entretanto, é o casal. E muitos se referem a casais estrangeiros vivendo ou visitando Paris. O “atleta” cinematográfico Tom Twyker (de Corra Lola Corra) conta em alta velocidade o petit roman entre um rapaz cego e uma candidata a atriz americana (Natalie Portman). Nesse aspecto, talvez o mais memorável seja o de Wes Craven, passado – bem a propósito – no cemitério Père Lachaise: diante da tumba de Oscar Wilde, um casal de noivos turistas enfim começa a se entender. É também uma turista a personagem do melhor episódio de todo o filme: uma carteira americana, gordinha e solitária, que tem seu momento de epifania num parque parisiense. Alexander Payne (Sideways) confirma-se como um cineasta especialmente habilitado a desenhar criaturas plausíveis e comoventes.
Na esfera do entretenimento, ninguém supera os irmãos Joel e Ethan Coen, ou o animador Sylvain Chomet (As Bicicletas de Beleville). Os Coen se fecham no metrô das Tuileries para montar um sketch irresistível sobre as ilusões de um turista ingênuo com o romantismo de Paris. Chomet, por sua vez, utiliza atores pela primeira vez na divertida história de um mímico fajuta que encontra sua cara-metade onde menos esperava. Em tom mais sombrio, Isabel Coixet faz um bom trabalho com Sergio Castellitto e Miranda Richardson vivendo um casal que sofre reviravolta afetiva quando estava à beira do divórcio.
Com tantos episódios acima da média, dá até para esquecer os equívocos de Gus Van Sant (um desencontro gay numa loja de gravuras), Alfonso Cuarón (um plano-seqüência de pai-filha absolutamente banal), Christopher Doyle (pirações num salão de beleza chinês) e Richard LaGravenese (Bob Hoskins e Fanny Ardant desperdiçando talento numa fantasia amorosa sem graça). Poucos episódios parecem traduzir de fato o espírito da respectiva área de Paris - como o de Gérard Depardieu e Frédéric Auburtin, em que Gena Rowlands e Ben Gazzarra trocam ironias românticas no interior de um bar que poderia ser da Piazza di Spagna ou do Leblon. Afinal, onde foi parar o Quartier Latin?
# PARIS, EU TE AMO (PARIS, JE T’AIME)
França/Suíça/Alemanha/Liechtenstein, 2006
Direção: OLIVIER ASSAYAS, FRÉDÉRIC AUBURTIN & GÉRARD DEPARDIEU, GURINDER CHADHA, SYLVAIN CHOMET, JOEL & ETHAN COEN, ISABEL COIXET, WES CRAVEN, ALFONSO CUARÓN, CHRISTOPHER DOYLE, RICHARD LAGRAVENESE, VINCENZO NATALI, ALEXANDER PAYNE, BRUNO PODALYDÈS, WALTER SALLES & DANIELA THOMAS, OLIVER SCHMITZ, NOBUHIRO SUWA, TOM TYKWER, GUS VAN SANT
Elenco: STEVE BUSCEMI, GENA ROWLANDS, BEN GAZZARA, NATALIE PORTMAN, MAGGIE GYLLENHAAL, ELIJAH WOOD, BOB HOSKINS, NICK NOLTE, EMILY MORTIMER, WILLEM DAFOE, JULIETTE BINOCHE, FANNY ARDANT, CATALINA SANDINO MORENO
Duração: 120 minutos
