Críticas


JANELA DA ALMA

De: JOÃO JARDIM e WALTER CARVALHO
28.06.2002
Por Luciano Trigo
O OLHAR SOB A ÓTICA DA PALAVRA

Janela da Alma encanta o espectador sobretudo pela inteligência de entrevistados como José Saramago, Wim Wenders e o engraçadíssimo Hermeto Paschoal. São depoimentos que reúnem leveza, originalidade, liberdade de pensamento. Mas existe algo de paradoxal no fato de um filme que pretende ser "sobre o olhar" seduzir muito mais pela palavra do que pela imagem. Terá sido uma armadilha em que caíram os diretores Walter Carvalho e João Jardim? Ou, pelo contrário, uma atitude deliberada e necessária? Pois, para se filmar uma reflexão sobre o olhar, seria preciso colocar-se do lado de fora, já que a idéia era pensar/falar sobre imagens, e não através de imagens... O fato é que a tentativa de amarrar as falas com imagens inusitadas (árvores queimando, o deserto etc) parece muito tímida enquanto recurso narrativo.



Desde a Grécia antiga, o olhar tem sido objeto de intermináveis reflexões de filósofos e artistas. A idéia, lançada por Leonardo da Vinci, de que os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo, contribuiu para dar a este sentido sua nobreza em relação aos demais, um certo excedente de profundidade e poesia em relação aos outros cinco. Essa idéia – que a repetição exaustiva transformou em lugar-comum – e a indagação sobre como problemas de visão podem afetar a personalidade e a existência dos indivíduos são os pontos de partida dos 19 depoimentos, por sinal muito bem editados.



Nem tudo que é dito na tela resiste a um exame mais detalhado: em meio a tiradas brilhantes, há também alguns clichês e frases de efeito. Inevitáveis quando não-especialistas improvisam sobre um tema tão livre e abstrato. Talvez, se os diretores optassem por limitar o horizonte do debate, com questões mais específicas, fizessem um filme mais denso. Talvez fizessem um filme mais chato.



Sinal disso é que o filme ganha em interesse quando os personagens se detêm mais estritamente sobre as distorções da visão: a idéia de Saramago de que a beleza depende do grau de acuidade de nosso olhar – o rosto da mulher amada pareceria repulsivo se enxergássemos, como uma águia, os detalhes quase microscópicos de sua pele – é interessante, bem como a falta que Wim Wenders sente da "moldura" proporcionada pelos óculos. Todos os entrevistados, aliás, têm algum grau de deficiência visual, da miopia branda à cegueira total. O fotógrafo e diretor Walter Carvalho, aliás, tem 7,5 graus de miopia. "A realidade desfocada é muito mais bonita", ele afirma. "Ela fica abstrata". A pergunta que fica no ar é: por que o fotógrafo (cego) Evgen Bavcar usa óculos?



Pouca coisa fica na memória depois que se sai do cinema, é verdade. E o que fica é o anedótico, o engraçado, o inusitado. Para o espectador pouco importa: para ele bastará ter visto um documentário agradável, o que certamente Janela da Alma é. Mas fica a impressão de que coisas importantes sobre o modo como percebemos o mundo – e sobre como ele nos percebe – ficaram de fora. O tema da saturação das imagens no mundo contemporâneo por exemplo, é apenas arranhado, e o neurologista Oliver Sacks parece sub-aproveitado. Mesmo assim, trata-se de um filme delicado, sutil e inteligente, justamente premiado em diversos festivais no Brasil e no exterior.



*Luciano Trigo tem 4,75 graus de miopia



# JANELA DA ALMA

BRASIL, 2001

Direção e Roteiro: JOÃO JARDIM E WALTER CARVALHO

Produção: FLÁVIO R. TAMBELLINI

Fotografia: WALTER CARVALHO

Montagem: KAREN HARLEY e JOÃO JARDIM

Música: JOSÉ MIGUEL WISNICK

Duração: 73 min.

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