Críticas


VERÃO

De: KIRILL SEREBRENNIKOV
Com: TEO YOO, IRINA STARSHENBAUM, ROMAN BILYK.
14.11.2018
Por Maria Caú
Um musical carismático para roqueiros nostálgicos.

Na cena musical de Leningrado (hoje São Petersburgo) no início dos anos 1980, o rock estava irremediavelmente legado à posição marginal que ele já havia deixado de ocupar na Europa e nas Américas e no qual ele parece atingir grande parte da sua potência natural de confrontamento. Esse é o clima presente em Verão, livremente inspirado nos anos de formação de Viktor Tsoi, que se tornaria líder da banda russa Kino.

O filme tem apenas um fiapo de trama, que se alinhava um pouco mais – e de forma um tanto artificial – na meia hora final, centrada num esboço de triângulo amoroso, à medida que Viktor se envolve profissionalmente com Mike, um músico veterano já respeitado, fundador da banda Zoopark, e inicia um flerte amoroso com a mulher do amigo. A despeito do charme do trio e do círculo de conhecidos que os rodeia, o principal atrativo, natural já que se trata de um musical, são as sequências em que os protagonistas interpretam canções de suas bandas, com letras bastante estapafúrdias e em geral distantes da atmosfera de contestação política que permeia suas vivências, ou clássicos ingleses ou norte-americanos do gênero, entre o punk e o new wave. Assim, as ocasiões em que personagens e figurantes cantam (num inglês simpaticamente grosseiro) canções célebres e já muito usadas em diferentes contextos no cinema, como “Psycho Killer” e “Perfect Day”, surgem com um frescor conseguido tanto graças às técnicas de rotoscopia usadas para animar parte dessas cenas quanto pela escolha de ambientes urbanos inusitados, em especial meios de transporte como trem e ônibus, como cenários desses números improváveis e deslocados naquela sociedade fechada e cinzenta.

Essa opção por uma mistura de linguagens é complementada com a inserção de trechos de diários e imagens em cores na narrativa em preto e branco e com a introdução do personagem mais interessante do filme. Um sujeito alegórico que parece representar o espírito do rock da época e interpela o espectador, colocando em xeque as passagens que ele acaba de assistir. “Isso nunca aconteceu”, repete, acentuando o caráter um tanto incerto e mambembe da vida desses músicos que desafiavam o status quo da União Soviética. Outro momento interessante acontece quando Mike observa capas de discos famosos da época e projeta nessas figuras sua imagem e a de seus amigos, se colocando na posição do sucesso comercial internacional.

É preciso admitir, no entanto, que o filme fala com um nicho muito determinado, o dos roqueiros nostálgicos, em especial os apaixonados pelos caminhos desse gênero musical nos anos 1980. Para o público mais geral não há grande chamarizes, o que talvez pudesse ter sido criado com um trabalho maior de construção de personagens ou através da discussão política que a narrativa cuidadosamente evita trazer à baila.



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