Críticas


A BALADA DE BUSTER SCRUGGS

De: ETHAN & JOEL COEN.
Com: TIM BLAKE NELSON, JAMES FRANCO, LIAN NEESON, HARRY MELLING, TOM WAITS, ZOE KAZAN.
18.11.2018
Por Luiz Fernando Gallego
Os irmãos Coen reciclam clichês de velhos westerns com humor negro, ironia e nonsense,

Lançado diretamente em TV (Netflix) após ter sido exibido no Festival de Veneza deste ano, o mais recente filme dos Irmãos Coen não deve ter deixado de fora quase nenhum clichê dos velhos westerns: o pistoleiro mais rápido, a convivência dentro de uma diligência em movimento, uma caravana de carroças rumo ao Oeste, a procura de ouro, o assalto a um banco - todos revisitados com sua aura de estereótipo em que o clichê é pervertido numa pegada frequentemente perversa. Ou seja, o que de melhor os Coen sabem fazer.

São seis episódios desiguais em duração, alguns pouco mais do que anedóticos (os dois primeiros), outros mais extensos e com personagens mais desenvolvidos, podendo transpor os limites do humor negro para um lance patético e mesmo com alguma ironia comovente. Nos capítulos em que Liam Neeson e Harry Melling contracenam, eles não trocam nenhum diálogo, embora Melling fale pelos cotovelos como atração freak que declama trechos do Discurso de Gettysburg, do Antigo Testamento (justamente sobre Caim e Abel), de Shakespeare e de Shelley. Se Neeson não diz mais do que uma frase, Tom Waits fala sozinho durante todo o seu episódio – um monólogo que ele carrega nas costas de encontro a uma paisagem acachapante. A beleza de vários planos contrasta com a miserabilidade e degradação moral da maioria dos personagens, mas sem moralismo algum - como também é hábito nos filmes da dupla. O espectador precisa entrar no clima de ironia, nonsense e humor negro debochado logo no segmento inicial que dá título ao conjunto, tendo os demais trechos recebido nomes bem espertos pela estranheza que provocam, indo de “Restos Mortais” até “A garota que ficou nervosa”, passando pelo mais sombrio de todos, “Ticket de alimentação”.

Apresentado como sendo histórias extraídas de um livro cujas páginas vão sendo folheadas (mais um surrado clichê hollywoodiano reciclado), na verdade o roteiro premiado em Veneza é quase todo original, sendo dois dos melhores episódios baseados em contos alheios, um deles de Jack London - no qual Tom Waits brilha em uma busca de ouro nada chapliniana e em outro tipo de cenário.

Mas não é só o desempenho de Waits que se destaca: com boas oportunidades, é ótimo o quinteto de atores que vivem os passageiros de uma diligência, um capítulo que se limita praticamente à conversa raramente amistosa que se desenrola durante a convivência forçada da viagem.

Também com mais falas e personagens que chegam a desenvolver um arco, Zoe Kazan, Bill Heck e Grainger Hines, em interpretações minimalistas, fazem do episódio da caravana o mais atraente de todos, ainda que “Ticket de Alimentação” seja uma pérola (negra) em matéria de síntese, um exemplo de curta narrado prioritariamente através das imagens.

Colaboradores habituais nos filme dos Coen, Bruno Delbonnel deve ser indicado a prêmios pela fotografia (primeiro filme em digital dos irmãos) e a música de Carter Burwell é outro destaque nesta produção de mais de duas horas que causa estranheza, desconforto, mas também admiração.

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Outros comentários
    4832
  • Maicon Antonio Paim
    20.11.2018 às 18:59

    Melhor filme dos Coen desde O Homem que não estava lá. Só não levo fé nas premiações em função do ressentimento que muitos têm em relação à Netflix.