Os restos mortais dos melhores anos de nossas vidas estão por toda parte, em muitos filmes, usualmente recheados de infinita tolice, quase sempre cobertos por generosas e ainda assim indesejáveis doses de nostalgia. É na direção contrária que transita um simples desenho animado em 2D, repleto de grandeza e a sabedoria.
Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’roll agrega uma animação extraordinariamente adequada às tiras inspiradíssimas de Angeli. Estimula-as por vozes que constituem em muitos casos grandes interpretações - em especial Rita Lee (que ganhou com sua dublagem o prêmio de atriz coadjuvante no Festival de Recife) e Tom Zé.
Parece muito, mas é só o começo. Wood & Stock se constrói com base no tratamento que dá aos seus personagens, bem mais que na animação que lhes empresta movimento. Reproduzir o movimento intelectual: este é um desafio perene na interpretação cinematográfica de personagens pensantes, de Asterix a Garfield. Otto Guerra vence esse desafio.
Os personagens de Angeli nascem nos anos 70, são típicos representantes de uma geração diferente de todas as outras. Agora, trinta anos depois, defrontam-se com um mundo individualizado, empobrecido, caretizado, povoado pelas sombras de seus ideais pelos fantasmas de si mesmos.
É pelo filtro desses personagens que Angeli e Otto Guerra oferecem um riquíssimo painel do pensamento e da obra de uma geração. Do ponto de vista acadêmico este poderia ser considerado um painel árido. Dificilmente se poderia encontrar algo de tão bom a ser dito sobre ele. Wood & Stock estabelece um visceral embate entre o presente e o passado, onde o filtro não passa pela nostalgia e muito menos pela formulação teórica. O que o filme expõe, pelos seus personagens, é a construção do indivíduo e do coletivo. Mas qual é, senão esse, o embate que tem em Woodstock - o refúgio, o concerto, a utopia da atitude - a sua grande expressão simbólica?
Aqui não existem heróis, não há vilões, não existem vencedores e muito menos derrotados. O que é refletido, por trás de toda essa gente estranha, é a grandeza dos valores que milhões de pessoas ousaram construir – e que Wood & Stock respeita, dir-se-ia venera, como prova de entendimento sobre o delicado universo em que mergulha.
Quem enxergar no filme a história de velhos hippies que tentam reativar uma banda de rock’n’roll provavelmente verá em Hamlet a história de um caçador de fantasmas. Ao examinar o que fizemos de nossas vidas Wood & Stock aponta para o produto de um pensamento rico, consistente e organizado a seu modo. Obras feitas na época – Hair acima de todas – lograram expressar isso com clareza. Das que olham para o processo de construção desses valores amparados pela perspectiva histórica, Wood & Stock está provavelmente entre as mais instigantes.
WOOD & STOCK – SEXO, ORÉGANO E ROCK’N’ROLL
Brasil, 2006
Direção: OTTO GUERRA (Inspirado nas tiras de Angeli)
Vozes de: TOM ZÉ, SEPÉ, TARAJU DE LOS SANTOS, RITA LEE, ZÉ VICTOR CASTIEL
Duração: 81 minutos