Críticas


WOOD & STOCK – SEXO, ORÉGANO E ROCK’N’ROLL

De: OTTO GUERRA
Com: VOZES DE TOM ZÉ, SEPÉ, TARAJU DE LOS SANTOS, RITA LEE
28.10.2006
Por Nelson Hoineff
O QUE FIZEMOS DE NOSSAS VIDAS

Os restos mortais dos melhores anos de nossas vidas estão por toda parte, em muitos filmes, usualmente recheados de infinita tolice, quase sempre cobertos por generosas e ainda assim indesejáveis doses de nostalgia. É na direção contrária que transita um simples desenho animado em 2D, repleto de grandeza e a sabedoria.



Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’roll agrega uma animação extraordinariamente adequada às tiras inspiradíssimas de Angeli. Estimula-as por vozes que constituem em muitos casos grandes interpretações - em especial Rita Lee (que ganhou com sua dublagem o prêmio de atriz coadjuvante no Festival de Recife) e Tom Zé.



Parece muito, mas é só o começo. Wood & Stock se constrói com base no tratamento que dá aos seus personagens, bem mais que na animação que lhes empresta movimento. Reproduzir o movimento intelectual: este é um desafio perene na interpretação cinematográfica de personagens pensantes, de Asterix a Garfield. Otto Guerra vence esse desafio.



Os personagens de Angeli nascem nos anos 70, são típicos representantes de uma geração diferente de todas as outras. Agora, trinta anos depois, defrontam-se com um mundo individualizado, empobrecido, caretizado, povoado pelas sombras de seus ideais pelos fantasmas de si mesmos.



É pelo filtro desses personagens que Angeli e Otto Guerra oferecem um riquíssimo painel do pensamento e da obra de uma geração. Do ponto de vista acadêmico este poderia ser considerado um painel árido. Dificilmente se poderia encontrar algo de tão bom a ser dito sobre ele. Wood & Stock estabelece um visceral embate entre o presente e o passado, onde o filtro não passa pela nostalgia e muito menos pela formulação teórica. O que o filme expõe, pelos seus personagens, é a construção do indivíduo e do coletivo. Mas qual é, senão esse, o embate que tem em Woodstock - o refúgio, o concerto, a utopia da atitude - a sua grande expressão simbólica?



Aqui não existem heróis, não há vilões, não existem vencedores e muito menos derrotados. O que é refletido, por trás de toda essa gente estranha, é a grandeza dos valores que milhões de pessoas ousaram construir – e que Wood & Stock respeita, dir-se-ia venera, como prova de entendimento sobre o delicado universo em que mergulha.



Quem enxergar no filme a história de velhos hippies que tentam reativar uma banda de rock’n’roll provavelmente verá em Hamlet a história de um caçador de fantasmas. Ao examinar o que fizemos de nossas vidas Wood & Stock aponta para o produto de um pensamento rico, consistente e organizado a seu modo. Obras feitas na época – Hair acima de todas – lograram expressar isso com clareza. Das que olham para o processo de construção desses valores amparados pela perspectiva histórica, Wood & Stock está provavelmente entre as mais instigantes.



WOOD & STOCK – SEXO, ORÉGANO E ROCK’N’ROLL

Brasil, 2006

Direção: OTTO GUERRA (Inspirado nas tiras de Angeli)

Vozes de: TOM ZÉ, SEPÉ, TARAJU DE LOS SANTOS, RITA LEE, ZÉ VICTOR CASTIEL

Duração: 81 minutos

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