Críticas


SUPREMA

De: MIMI LEDER
Com: FELICITY JONES, ARMIE HAMMER, SAM WATERSTON
15.03.2019
Por Maria Caú
A narrativa sucumbe ao pintar os protagonistas com as duras tintas da perfeição

Vista de diversos ângulos, uma mulher abre caminho em meio a um mar de ternos masculinos. Essas são as imagens iniciais de Suprema (uma tradução pretensamente jocosa para o inglês On the Basis of Sex), lugar-comum nesse tipo de narrativa sobre alguma desbravadora do universo do trabalho, utilizado antes em filmes como A dama de ferro e The Post – A guerra secreta. No caso presente, a desbravadora em questão é Ruth Bader Ginsburg, juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, segunda mulher a ocupar o prestigioso cargo, e uma das pessoas que mais avançaram as legislações norte-americanas em prol da igualdade de gênero. Com esse currículo impressionante, a vida de Ginsburg daria uma série de filmes de grande interesse, e não é à toa que estejamos aguardando o lançamento de mais um: o documentário RBG, que concorreu ao Oscar de 2019 na categoria.

Suprema, no entanto, sofre com um roteiro fraco, indeciso entre a cinebiografia e o filme de tribunal – boa parte da ação se concentra num dos casos-chave da vida da jurista, em que ela conseguiu argumentar perante a corte americana uma alegação de discriminação de gênero cometida contra um homem, uma inspirada manobra para estabelecer jurisprudência para a luta das mulheres. Melhor seria que o filme tivesse se concentrado nessa interessante batalha judicial, dispensando uma longa parte inicial, dedicada a mostrar os primeiros anos de Ruth (interpretada por uma Felicity Jones de repertório limitado) em Harvard e seu casamento com Martin (Armie Hammer), incluindo a gravíssima enfermidade do marido, abordada para ser logo descartada, talvez porque o roteirista acreditasse que o público (americano, claro está) já estaria inteirado do feliz desfecho. Interessantemente, Daniel Stiepleman, o roteirista em questão, é sobrinho do casal, o que pode explicar parcialmente sua decisão de retratá-los como pessoas perfeitas, sempre bem-intencionadas, com o casamento mais abençoado do mundo (de fato, em ao menos uma entrevista Stiepleman afirma que para ele trata-se de “um filme sobre um casamento”).

Não é preciso argumentar que essa escolha é bastante infeliz, apenas comentar que, ao delinear o casamento mais maravilhoso e celestial do mundo, a trama termina por alienar o espectador, que não consegue se identificar minimamente com personagens tão sacrossantos, que mais parecem herói e heroína das telenovelas dos anos 1990. Martin é um marido abnegado, compreensivo e apoiador de todos os sonhos da mulher, um sujeito que inclusive cozinha e cuida das crianças tanto quanto ela: é difícil acreditar que estamos diante de um homem nascido no início dos anos 1930, e mais difícil ainda engolir que não houvesse a mais vaga sombra de conflito entre eles (salvo brevíssimas cenas em que ele logo concorda com a esposa).

A diretora Mimi Leder também não contribuiu para melhorar o quadro geral do filme, e não é surpresa descobrir que sua experiência se concentra na televisão (seu filme mais famoso é Impacto profundo, de 1998), uma vez que o conjunto aqui se aproxima dolorosamente de uma (datada) linguagem televisiva. Apesar de todos esses problemas, é bem verdade que o filme cumpre o papel de apresentar Ruth Bader Ginsburg para o público não americano, celebrando suas conquistas e sua inteligência, que são realmente tão cativantes que conseguem fomentar momentos de emoção genuína numa narrativa de modo geral bastante sonolenta e pouco apurada.

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