Críticas


QUANDO MARGOT ENCONTRA MARGOT

De: SOPHIE FILLIÈRES
Com: SANDRINE KIBERLAIN, AGATHE BONITZER, MELVIL POUPAUD
03.04.2019
Por Maria Caú
Um roteiro confuso e enfadonho, que aponta mil caminhos e se recusa a explorar qualquer um deles

Margot (Sandrine Kiberlain), uma mulher de 45 anos que está vivendo um ano sabático numa vida tão vazia que esse período de descanso e lazer é utilizado para a reforma de um banheiro, encontra uma moça (Agathe Bonitzer) que é uma versão dela mesma vinte anos antes. Essa interessante premissa é, entretanto, desperdiçada por um roteiro fraquíssimo, que se enreda fatalmente nas armadilhas que cria para si, ao abrir uma infinidade de caminhos possíveis apenas para se recusar a trilhar qualquer um deles. Desta medida, o filme não propõe nem uma interpretação literal do enredo (por um lado, as duas mulheres são bastante diversas fisicamente e convivem na mesma época; por outro, a Margot mais velha sabe todos os fatos básicos da vida da desconhecida, assim como eventos futuros), nem uma interpretação poética, nem mesmo um viés psicanalítico, ficando à deriva entre todas essas possibilidades não exploradas.

A sensação é a de estarmos diante de uma ideia bruta, ainda não desenvolvida, ou de um primeiro tratamento de um roteiro que deveria passar por um longo processo de lapidação. Nesse caminho ousado entre o literal e o poético, Woody Allen é mais bem-sucedido no melhor episódio do em geral fraco Para Roma, com amor, em que um arquiteto encontra a si mesmo jovem ao revisitar sua antiga residência em Roma.

A partir desse embaralhamento, e com uma direção pouco hábil (assinada por Sophie Fillières, também roteirista), o filme resulta confuso e desinteressante, mais ainda por cuidadosamente recusar as situações cômicas que em geral permeiam esse tipo de trama. Aqui, ao contrário, a pronta aceitação das personagens com relação à situação fantástica em que se encontram não é apenas completamente injustificável como esvazia a narrativa de conflitos que a tornariam minimamente mais potente. A partir daí o que se tem é um conjunto de acontecimentos mal amarrados, em que a Margot mais velha age como guia da mais jovem, sem no entanto receber dela nada de relevante em retorno (e seria fácil imaginar uma fórmula em que jovem atuasse para reconectá-la ao lado mais prazeroso da vida).

Na piorar, a escolha de fazer a trama girar em torno do relacionamento de ambas com o mesmo homem, Marc (um ser tão especial que não tem duas versões para os dois tempos, mas apenas uma) é bastante infeliz. Além disso, o filme lida com o sexo de uma forma moralista e algo machista, fazendo com a liberdade sexual seja para a Margot jovem o signo de sua falta de rumo na vida, enquanto Marc pode transar com ambas as mulheres sem maiores julgamentos, e a mais velha precisa ter muitos pudores, como que para marcar sua maturidade. Vale acrescentar que Sandrine Kiberlain, uma das atrizes francesas mais talentosas da atualidade, parece ter um agente não muito bom, pois este a faz cair recorrentemente em empreitadas como essa, filmes como Um doce refúgio e Uma juíza sem juízo, sobre os quais há pouco a dizer além do fato de que eles não lhe dão espaço para desenvolver suas óbvias qualidades como atriz.



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