Críticas


O MAU EXEMPLO DE CAMERON POST

De: DESIREE AKHAVAN
Com: CHLOË GRACE MORETZ, JOHN GALLAGHER JR. , STEVEN HAUCK, QUINN SHEPHARD
17.04.2019
Por Maria Caú
A coragem de retratar a terrível terapia de conversão sexual de forma honesta

Desiree Akhavan fez sua estreia como diretora de longas-metragens com Appropriate Behavior, excelente dramédia exibida no Festival do Rio de 2014, que surpreendeu então por sua capacidade de falar sobre bissexualidade de uma maneira honesta e livre de tabus ou fetiches. Em O mau exemplo de Cameron Post, ela adapta o romance homônimo para jovens adultos, narrando a jornada emocional de uma adolescente lésbica que é enviada pelos tutores a um acampamento cristão de conversão sexual. O tema é o mesmo de Boy Erased, que acabou não lançado nos nossos cinemas. Akhavan levou muitos anos para conseguir realizar o projeto, anos durante os quais esse doloroso assunto se tornou ainda mais relevante, dados os retrocessos do governo Trump em relação à comunidade LGBT (e como não pensar também no Brasil de hoje?). Por esse exato motivo, o filme, que se passa em 1993, parece falar da atualidade, em que as figuras bizarras dos fanáticos religiosos da chamada “terapia de reorientação sexual” têm retornado de seus esconderijos.

O bem construído roteiro evita mostrar a protagonista, interpretada por Chloë Grace Moretz, sob as lentes do heroísmo, escolhendo retratar com realismo sua confusão diante da contínua doutrinação desse ambiente fechado e preconceituoso. Afinal, como um jovem pode não se deixar alquebrar quando bombardeado por adultos que tentam inoculá-lo com o veneno do ódio a si mesmo? Essa é uma das perguntas a que o filme tenta responder, e o faz abordando com delicadeza o poder da construção de uma comunidade em torno de uma vivência e um objetivo comuns, além da importância dos pequenos e grandes atos cotidianos de não conformismo. Nesse sentido, o título estranhamente ambíguo em português não dá conta do que propõe o original (The Miseducation of Cameron Post): abordar a deseducação da protagonista.

Os personagens coadjuvantes são bem delineados, com seus diferentes contextos pregressos servindo para lançar luz às diversas formas através das quais a intolerância se coloca como força desagregadora no seio familiar. Os dirigentes do acampamento são apresentados de forma minimamente tridimensional, que não os pinta apenas como monstros, em especial o por vezes frágil Reverendo Rick (John Gallagher Jr.), ele mesmo um “ex-gay”.

Outra boa decisão é não ceder aos clichês do gênero e tentar ancorar a transformação de Cameron em um interesse amoroso, ou sucumbir a soluções inteiramente redentoras poucos compatíveis com a realidade concreta de uma pessoa LGBT rejeitada pelo seu círculo mais íntimo. Para além desses caminhos, a trajetória da adolescente é agridoce, plena de incertezas e avanços/retrocessos. E é essa liberdade amarga e esperançosa que a observamos aos poucos conquistar.



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