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COPPOLA, O SEMEADOR DO FUTURO

01.12.2006
Por Jaime Biaggio
COPPOLA, O SEMEADOR DO FUTURO

Em Easy Riders, Raging Bulls, documento literário definitivo sobre a geração de cineastas que fez da década de 70 um capítulo à parte na história de Hollywood, o jornalista e escritor Peter Biskind encerra seu relato da trajetória de Francis Ford Coppola lamentando que, ao fim dos anos 90 (o livro é de 98), seu patrimônio mais valorizado seja o vinhedo em Napa Valley e seu crachá aparente de celebridade seja o de “figuraço”, anfitrião excêntrico de turistas broncos metidos a enólogos. “Ele senta numa longa mesa de madeira do lado de fora, o padrone, cumprimentando turistas, autografando os rótulos de garrafas de vinho e posando para fotografias com tetéias do Meio-Oeste sentadas no seu joelho. Paira uma tristeza sobre ele, a tristeza de um homem que tinha o potencial para a grandeza, mas só a atingiu intermitentemente”.



E se, de 98 para cá, um negócio chamado DVD tem feito muito para restabelecer aos seus devidos patamares uma quantidade considerável de autores relegados ao ostracismo desde o início da Era dos Pipoqueiros, fato é que a descrição de Biskind continua valendo. O último filme dirigido por Coppola quando do lançamento do livro, O Homem Que Fazia Chover, continua a ser seu trabalho mais recente oito anos depois. Seu futuro não deixou de ser uma incógnita. Ainda bem que, ao menos, os DVDs lhe devolveram seu passado. Ainda assim, é pouco. Porque conhecê-lo mostra que Coppola sempre teve os olhos no futuro.



Lançado em agosto passado nos EUA, Apocalypse Now – The Complete Dossier, primeiro pacote em DVD a reunir ambos os cortes do filme, o original de 1979 e o Redux de 2001, além dos extras saborosos que as edições anteriores de um e de outro não tinham, é a evidência número 1 da tese. Vasculhá-lo é constatar a ampla perspectiva de Coppola sobre o papel do som no cinema e seu pioneirismo na tecnologia que hoje é o padrão nas salas de exibição e de estar (via home-theater). Tudo de que hoje se lança mão para fazer tremer paredes como se isso fosse um valor em si, já estava lá em 79, aplicado às imagens de helicópteros movidos a Wagner e selvas em chamas como instrumento de imersão (ver, em especial, O Nascimento do Som 5.1 e O Sobrevôo do Helicóptero Fantasma). Lá, a distribuição é da Paramount. Aqui, sabe-se lá quem vai fazê-lo, se é que vai, e muito menos quando (Redux foi distribuído em cinema e DVD pela Buena Vista, em todo caso).



Lançada em 2004 nos EUA, a edição dupla do estrondoso fracasso One From the Heart – no Brasil, O Fundo do Coração – é a evidência número 2 (com essa, melhor nem contar por aqui pela área 4 do planeta; estúdio algum quer pôr as mãos nesse filme hoje em dia, mesmo lá pela área 1 Coppola teve de lançá-lo por conta própria). Ali a lição está na história da existência-relâmpago dos Estúdios Zoetrope, a utópica United Artists revisitada, suposta embarcação comandada por ratos boêmios do porão, que bancou e abrigou o filme. Na experiência do Cinema Eletrônico, proposta de produção que teoricamente iria viabilizar a idéia de um estúdio erguido em torno de Autores, está a gênese de várias técnicas e métodos que hoje são lugar-comum, moeda corrente no cinemão “eficiente”. Câmeras de vídeo de alta definição; pré-visualização de cenas prontas via storyboard animado e monitor de assistência à filmagem (video assist); ambientes externos criados a portas fechadas, dentro de galpão, manipulando-se os cenários de fundo (o que hoje se faz através de tecnologia computadorizada); a busca de um cinema que, em vez de perseguir a reprodução do real, busque apenas a sua essência, através de um artificialismo assumido. Está tudo lá, nos extras, no comentário em áudio e no filme propriamente dito (ver, em especial, O Estúdio dos Sonhos e O Cinema Eletrônico). O cinema pregado por Coppola para os anos 80, adotado por qualquer zé-ruela 90’s e 00’s afora à revelia do pregador, arruinado pelo visionarismo fora de hora e, ok, também por sua total incapacidade de manter os pés no chão e gastar só um pouco de cada vez.



A edição área 1 de 2005 de Rumble Fish, essa não é evidência de nada. Não existe nada de propriamente revolucionário no filme que, no Brasil, onde atende por O Selvagem da Motocicleta, saiu apenas em edição raquítica (quando já existia lá fora essa, salpicada de poucos mas relevantes extras; sempre é bom lembrar, é a medida exata da consideração que a Universal, distribuidora do filme lá e aqui, teve pelos fãs). É apenas um pequeno grande filme. Depois da experiência física e mentalmente extenuante de Apocalypse (relatada pela esposa de Coppola, Eleanor, com Fax Bahr e George Hickenlooper, no documentário O Apocalipse de um Cineasta, a grande ausência do tal Dossiê Completo, deixado de fora por problemas de direitos autorais) e da derrocada da Zoetrope após o fracasso de O Fundo do Coração, só restava a Coppola distrair a cabeça com um filminho, uma história para jovens sem pretensões de fazer avançar a arte cinematográfica.



Saiu aquele que, diz ele no comentário em áudio, é seu filme favorito, o emblema do cinema que mais lhe interessa, íntimo e pessoal – e ainda assim, diz este comentário aqui, é imaginativo, peculiar. Respeitoso à tradição do cinema – no caso, a Nouvelle Vague – como O Fundo do Coração, por cujo set circularam Gene Kelly, Godard e Michael Powell (ver naquele DVD em O Estúdio dos Sonhos). Aberto à experimentação com elementos pouco usuais (no caso, a trilha sonora à base de percussão de Stewart Copeland – ver A Trilha Percussiva) como em Apocalypse Now, cuja trilha sintetizada foi inspirada nos trabalhos do compositor japonês Tomita (ver naquele DVD em A Pós-Produção de Apocalypse Now). E triste, conformado com a impossibilidade de vôos altos para Rusty James (Matt Dillon) e o Garoto da Motocicleta (Mickey Rourke). Como Coppola teve de aprender a ser após a implosão de suas utopias e o testemunho amargo da posterior adoção delas por operários-padrão da indústria, sem que ele próprio pudesse usufruir disso. Ficam esses três DVDs importados, que valem o quanto bater na fatura do cartão de crédito, como atestados de que, mais do que ditar caminhos para o cinema de sua época, Coppola adiantou o futuro. Agora que chegamos nele, é hora de lhe dar o devido reconhecimento.





# APOCALYPSE NOW – THE COMPLETE DOSSIER (Apocalypse Now/Apocalypse Now Redux)

EUA, 1979/2001

Direção: FRANCIS FORD COPPOLA

Roteiro: FRANCIS FORD COPPOLA, JOHN MILIUS, MICHAEL HERR (narração)

Fotografia: VITTORIO STORARO

Direção de Arte: DEAN TAVOULARIS

Edição: LISA FRUCHTMAN, GERALD B. GREENBERG, WALTER MURCH

Música: CARMINE COPPOLA, FRANCIS FORD COPPOLA

Elenco: MARTIN SHEEN, MARLON BRANDO, ROBERT DUVALL, DENNIS HOPPER, SAM BOTTOMS, FREDERIC FORREST, ALBERT HALL, LAURENCE FISHBURNE

Duração: 153 minutos/202 minutos

Principais extras:

Disco 1:

- Introdução e comentário de Francis Ford Coppola em ambas as versões do filme

- Cenas excluídas (29 min.)

- The Hollow Men, curta-metragem feito especialmente para o DVD, composto de imagens da produção com áudio da leitura completa do poema homônimo de T.S. Eliot por Marlon Brando (17 min.)

- O Nascimento do Som 5.1, sobre a mixagem sonora revolucionária (6 min.)

- O Sobrevôo do Helicóptero Fantasma, demonstração do som estéreo surround, através da cena de abertura do filme (4 min.)

Disco 2:

- Comentário de Francis Ford Coppola em ambas as versões do filme

- A Pós-Produção de Apocalypse Now, quatro curtas documentais (51 min., ao todo)

- A Palheta de Cores de Apocalypse Now, sobre a fotografia (4 min.)

- Apocalypse Then and Now, sobre a versão Redux (4 min.)

- PBR Streetgang, entrevistas com os quatro atores que viveram os tripulantes do barco (4 min.)



# O FUNDO DO CORAÇÃO (One From the Heart)

EUA, 1982

Direção: FRANCIS FORD COPPOLA

Roteiro: FRANCIS FORD COPPOLA, ARMYAN BERNSTEIN

Fotografia: VITTORIO STORARO

Direção de Arte: DEAN TAVOULARIS

Edição: ROB BONZ, RUDI FEHR, ANNE GOURSAUD, MICHAEL MAGILL, RANDY ROBERTS

Música: TOM WAITS

Elenco: FREDERIC FORREST, TERI GARR, RAUL JULIA, NASTASSJA KINSKI

Duração: 100 minutos

Principais extras:

Disco 1:

- Comentário de Francis Ford Coppola

Disco 2:

- O Estúdio dos Sonhos, sobre a meteórica existência da Zoetrope (28 min.)

- Tom Waits e a Música de O Fundo do Coração (14 min.)

- O Cinema Eletrônico, sobre o processo de filmagem inaugurado neste filme (9 min.)

- Gravações demo e takes alternativos das canções da trilha

- Cenas excluídas

- Ensaios registrados em vídeo



# O SELVAGEM DA MOTOCICLETA (Rumble Fish)

EUA, 1983

Direção: FRANCIS FORD COPPOLA

Roteiro: FRANCIS FORD COPPOLA, S.E. HINTON

Fotografia: STEPHEN H. BURUM

Direção de Arte: DEAN TAVOULARIS

Edição: BARRY MALKIN

Música: STEWART COPELAND

Elenco: MATT DILLON, MICKEY ROURKE, DIANE LANE, NICOLAS CAGE, DENNIS HOPPER, VINCENT SPANO

Duração: 95 minutos

Principais extras:

- Comentário de Francis Ford Coppola

- Em Locação em Tulsa: O Making-Of de O Selvagem da Motocicleta

- A Trilha Percussiva



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