Existem cineastas que parecem operar num registro diferente do de seus contemporâneos. Por ousarem experimentar e explorar novos caminhos num tempo em que tudo parece já ter sido feito, e por insistirem em entender como arte o cinema, quando este geralmente se limita a uma jogo combinatório de regras bem estabelecidas, é natural que, sobretudo em seus primeiros filmes, tais diretores chamem mais a atenção pelas falhas que pelo impulso renovador. Julio Medem é um desses diretores. Filme após filme, ele vem construindo uma obra poderosa e coesa, sempre caracterizada pelo risco e pelo estranhamento que provoca no espectador.
Cada novo filme de Medem parece tornar os anteriores melhores. Assim, por exemplo, passei a gostar mais de Os Amantes do Círculo Polar depois de assistir a Lúcia e o Sexo. Não que se trate de uma obra-prima, mas é evidente que estamos diante de um filme com assinatura, que reflete de forma sincera e adulta sobre questões – eróticas, afetivas, familiares – de nosso tempo. E Medem encontra uma linguagem capaz de refletir os impasses e as angústias de seus personagens, por meio da complexa trama de símbolos e coincidências que arma, e pela maneira engenhosa como envolve o espectador num jogo, sem soar em momento algum afetado ou artificial. Neste aspecto, Medem lembra outro Julio, o fantasioso Cortázar, que inventava labirintos e armadilhas sem jamais perder de vista a humanidade dos seus personagens.
A Lúcia do título é uma garçonete de Madri que viaja para uma ilha distante como forma de preservar/matar a memória do marido. Na ilha conhece Carlos e Elena, também marcados por uma ausência, a da filha morta. Mas, como costuma acontecer nos mitos e fábulas atemporais, é o próprio impulso para a evasão que faz com que cada personagem encontre o seu destino. Sentimentos e recordações se misturam, até apontarem para a possibilidade de uma redenção – o que dá ao filme um tom ao mesmo tempo melancólico e otimista. A interpretação de Lúcia e o Sexo daria margem a volumosos ensaios psicanalíticos: as experiências da perda e do prazer, da vida e da morte são exploradas com delicadeza e sofisticação visual. Mais um sinal de vitalidade do cinema espanhol.
Leia o artigo de Cléber Eduardo sobre Julio Medem
# LÚCIA E O SEXO (LUCÍA Y EL SEXO)
ESPANHA, 2001
Direção e Roteiro: JULIO MEDEM
Produção: FERNANDO BOVAIRA, ENRIQUE LÓPEZ LAVIGNE
Fotografia: KIKO DE LA RICA
Montagem: IVÁN ALEDO
Música: ALBERTO IGLESIAS
Elenco: PAZ VEGA, ELENA ANAYA, JAVIER CÁMARA, DANIEL FREIRE, NAJWA NIMRI
Duração: 128 min.
Site:www.plus.es/codigo/cine/lucia/lucia_portada.asp