Críticas


VERMELHO SOL

De: BENJAMÍN NAISHTAT
Com: DARIO GRANDINETTI, ALFREDO CASTRO, ANDREA FRIGERIO
07.08.2019
Por Luiz Fernando Gallego
Apesar de abusar de metáforas e pontas soltas, o filme interessa e se justifica ao propor que o tecido social se corrompe antes que uma ditadura se instale.

Argentina, 1975: numa espécie de prólogo passado num pequeno restaurante de província, um homem reclama de modo irritado que todas as mesas estão ocupadas, sendo que, em uma delas, há um cliente que não está comendo nem fazendo pedido, enquanto ele está querendo sentar e comer. Depois de algum tempo, o que estava sentado cede o lugar ao outro, mas, de pé, faz uma série de longos comentários em voz alta sobre a falta de educação do que reclamava, dizendo que sua vida provavelmente era muito infeliz e outras críticas bastante ofensivas, ditas com voz pausada e com ar de superioridade. O outro escuta calado e tenso, até que perde a calma e começa a gritar, chamando todos os presentes de “nazistas”, necessitando ser contido e expulso do ambiente.

Em seguida entendemos que o que estava originalmente sentado (e que volta a ocupar uma mesa após a expulsão do outro) ainda não estava comendo nem fazendo pedidos porque estava esperando sua mulher que chega pouco depois.

Este episódio um tanto bizarro não deixará de ter um desenvolvimento e consequências variadas que não serão comentadas aqui; basta sabermos que o que estava esperando a mulher é um advogado (interpretado por Dario Grandinetti, conhecido no Brasil por Fale com ela, de Almodóvar, 2002) bem estabelecido na região, casado (como já foi dito) e com uma filha de seus 17 anos aproximadamente. Alguma coisa da conduta posterior deste advogado (que se chama Claudio) vai se reproduzir bem mais adiante - e com forte semelhança - em uma conduta do namorado da jovem, neste caso, por ciúmes de um parceiro de dança da moça.

Entre estes dois episódios o filme aborda outros tantos, alguns com mais informações, ligadas à vida profissional de Claudio, e outros bem pontuais e sem nenhum desenvolvimento, que ficam em aberto e sem estabelecer maior conexão com os personagens centrais. Entretanto, durante todo o filme, o roteiro parece nos querer dizer, principalmente pelos aspectos mais enfatizados e desenvolvidos, que um país não cairá numa ditadura - como a que se estabeleceu na Argentina em 1976 - sem que seu tecido social, mesmo nos mais triviais relacionamentos, já não esteja se corrompendo no próprio cotidiano das pessoas.

Se este é o aspecto mais interessante do filme, todas as situações menos conectadas com o fio central do que está sendo narrado, também parecem pretender aludir à mesma ideia de pródromos de apodrecimento de uma sociedade, ainda que com uma certa carga metafórica aqui e ali nem sempre satisfatória. Podemos exemplificar com o rápido trecho em que um eclipse solar é mostrado. Neste mesmo trecho, na busca de um recanto isolado por parte da mulher de Cláudio para urinar, surge um homem com capacete de moto que fica sem qualquer explicação, uma das “pontas soltas” mais insatisfatórias do filme.

Por outro lado, o clima de expectativa de algo desconhecido e ruim que pode vir a acontecer é bem construído, com ótima fotografia (do brasileiro Pedro Sotero) e bom uso de trilha musical, com destaque para o trecho "Les Sauvages", da ópera-balé "Les Indes Galantes”, de Rameau (1735), que é a dança que a filha do advogado está ensaiando. Mesmo assim, a articulação do uso desta passagem musical de ritmo bem marcado e climático fica como um dos “recados” que o diretor e roteirista Benjamín Naishtat pretende transmitir sem ser óbvio, porém, chegando a ser críptico.

Do mesmo modo, a chegada de um detetive chileno que antes teria tido um programa de TV, surge como um “deus ex machina” e, não fosse Alfredo Castro um ótimo ator - conhecido principalmente por suas interpretações em filmes de Pablo Laraín (O Clube, Tony Manero, Post Morten), ficaríamos com a impressão de um desempenho mal resolvido para o personagem que é bastante insólito e que também traz uma carga de "significados" mais pretensiosa do que bem resolvida.

Apesar destes senões, o filme mantém o interesse e curiosidade da plateia, mesmo que várias passagens permaneçam com esclarecimento mais sugerido do que explicitado.

Bastante incômoda é a sensação de que aqueles tempos estão se repetindo sem que possamos alegar ingenuidade sobre o que podem anunciar de pior para dias futuros, talvez nem tão distantes. Daí o interesse que o filme desperta e que o justifica.

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