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A IMPORTÂNCIA DE DEDÉ MAMATA

06.01.2007
Por Daniel Schenker
CONTRASTE E CONTINUIDADE

Dedé Mamata , transposição cinematográfica de Dodô Brandão para o romance homônimo de Vinícius Vianna, é ambientado em anos diferentes: 1930, numa breve introdução referente à filiação da família de Dedé ao Partido Comunista; 1969, quando ele, ainda criança, testemunha o acirramento da ditadura vitimar seu pai; e o período compreendido entre 1974 e 1979, momentos intensos para o Brasil – que começa a se despedir, com a Anistia, da terrível fase do regime militar – e também para Dedé – que passa a viver arriscadamente a juventude.



A história de Dedé Mamata é interrompida em 79, mas a do filme começa em 1988, ano de seu lançamento nos cinemas. Diferentemente de outras produções do mesmo período, como A Dama do Cine Shangai , de Guilherme de Almeida Prado, e Feliz Ano Velho , de Roberto Gervitz, que desembarcaram na tela grande pouco antes da quase total interrupção sofrida pelo cinema brasileiro durante o período Collor, esta nunca havia chegado às prateleiras das videolocadoras. A falha só foi corrigida em 2006, com o resgate do filme, em DVD.



Como foi dito acima, a história de Dedé é interrompida em 79. Mas não termina. Ele é obrigado a ir embora do Brasil, numa seqüência intercalada com a volta do ex-governador Miguel Arraes, após 15 anos de exílio, beneficiado com a Lei da Anistia. Na tela, aparecem os dizeres finais do filme: “eles só aplaudem quem chega...”. Dedé Mamata, porém, não estava saindo do Brasil por causa de seu envolvimento com a política, como foram obrigados a fazer muitos militantes ao longo dos anos de chumbo, mas por sua ligação com o tráfico de drogas. Nesse sentido, Dodô Brandão encerra seu filme mostrando o início de uma escalada cujas conseqüências estão mais do que evidentes no cotidiano carioca.



Dedé, porém, está muito longe de figurar como um adolescente alienado. Não sente vontade de assumir os compromissos partidários de seu pai e de seus avós, o que não significa que não tenha herdado a tradição política de sua família. Nem todos são como Dedé. É a partir dele, porém, que o diretor traça um pequeno panorama de uma juventude com faísca, brilho no olhar, contestadora, mas também inconseqüente e, sobretudo, imediatista. Uma juventude que rompe com a família e forma uma outra, substituta, composta por amigos, mas que também se revela bem mais interessada no prazer imediato do que no engajamento em projetos coletivos. A impressão pode ser de corte, de ruptura; no entanto, o processo parece ser de continuidade, no sentido da interpretação defendida por muitos de que o contexto de hoje é um desdobramento direto da desarticulação do convívio em grupo e do sentido de utopia durante a ditadura. Talvez a única impressão de contraste que permaneça seja a relativa à imagem luminosa de Guilherme Fontes, o jovem ator promissor dos anos 80, presente em alguns dos mais destacados filmes brasileiros, hoje envolvido no escândalo Chatô ...



Seja como for, há falas sintomáticas que destacam a passagem ideológica e a negociação com princípios éticos de uma outra época. Soa simbólica a imagem do avô de Dedé, dono de um passado político ilustre mas praticamente imobilizado na sala do apartamento, quase sem esboçar reações diante do que se descortina na sua frente. Alpino, por sua vez, o melhor amigo de Dedé, não hesita em perguntar: “não dá para pegar um pouco da grana da política para viver?”. Um pouco adiante, o traficante que fornece cocaína para Dedé e Alpino é taxativo: “prefiro morrer rico do que ficar 80 anos com dinheiro pingadinho”, responde, após ser confrontado por Dedé, que sobrevive à base do dinheiro do INPS do avô, com o risco de morrer jovem.



A discussão em torno da ruptura e da continuidade pode ser estendida ao próprio contexto do cinema nacional. A terminologia “fase da retomada” parece pressupor um corte e um posterior resgate do que foi interrompido. Talvez não caiba apenas verificar se a produção cinematográfica brasileira chegou a ser reduzida a zero durante o período Collor, mas pensar o que o impacto desde momento acarretou nos filmes que começariam a ser realizados a partir dele. Assistir hoje a Dedé Mamata causa um certo estranhamento, em especial no que diz respeito às questões de acabamento que incomodam diante do padrão de qualidade técnica alcançado pela maior parte dos diretores contemporâneos – por exemplo, a presença artificial dos figurantes, em especial na seqüência que abre o filme; mas o filme de Dodô Brandão também tem muito a dizer ao realizado nos dias de hoje no Brasil porque há um movimento de vida não muito fácil de ser encontrado nas produções atuais, que tendem a arriscar menos, a serem concebidas a partir de um pensamento de mercado. Mas existem exceções: o inédito Proibido Proibir , de Jorge Durán, traz algo da centelha de juventude, presente em suas personagens. Não por acaso, Durán havia realizado, um pouco antes de Dedé Mamata , o excelente A Cor do seu Destino , no qual sobressaía a habilidade do cineasta em filmar jovens.



A escolha das locações é muito importante em todos esses filmes: em A Cor... os bairros da Zona Sul vizinhos ao Aterro do Flamengo; em Proibido... , a casa na Penha, onde moram os protagonistas, o hospital do Fundão e Mesquita, na Baixada Fluminense; e no de Dedé... , Botafogo e Copacabana. O mapa geográfico situa as personagens, independente do fato dos filmes serem mais ambientados em espaços fechados do que abertos. E Dedé Mamata contextualiza os anos que cobre através de diversas referências (a chegada do homem à Lua, o seqüestro do embaixador Charles Elbrick, a exibição da novela Selva de Pedra , a evocação de pessoas assassinadas pela repressão, como Rubens Paiva e Stuart Angel) que não sobrecarregam o resultado final.



DEDÉ MAMATA

Brasil, 1988

Direção: DODÔ BRANDÃO

Roteiro: ANTONIO CALMON, VINÍCIUS VIANNA

Produção: CARLOS DIEGUES, PAULO CÉSAR FERREIRA, RENATA ALMEIDA MAGALHÃES

Trilha Sonora: CAETANO VELOSO

Fotografia: JOSÉ TADEU RIBEIRO

Elenco: GUILHERME FONTES, MALU MADER, MARCOS PALMEIRA, IARA JAMRA, PAULO PORTO, NATHALIA TIMBERG

Duração: 96 minutos

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