Críticas


PRO DIA NASCER FELIZ

De: JOÃO JARDIM
03.02.2007
Por Carlos Alberto Mattos
"A ESCOLA NÃO É DIFERENTE DO MUNDO"

Refletindo talvez um esgotamento do tema da violência, alguns documentaristas brasileiros estão se voltando para uma instância que é a causa profunda das desigualdades sociais. A educação é o tema de pelo menos três novos filmes. Em Histórias de um Brasil Alfabetizado, projeto do Ministério da Educação, Bebeto Abrantes mostra a alfabetização de adultos como rito de passagem tardio para uma vida diferente. Em Caminho da Escola Paraná, Heloísa Passos enfoca a odisséia de crianças para chegar diariamente à sala de aula. Pro Dia Nascer Feliz, o mais ambicioso dos três, aborda a escola como microcosmo do país que se descortina para os jovens brasileiros.



Sem retórica sociológica ou generalizante, o doc de João Jardim cumpre sua pauta delicadamente. O que ele ouviu de alunos e professores de classes sociais distintas, em três estados brasileiros, não foram “depoimentos” sobre a educação, mas relatos que, no mais das vezes, apenas rebatem na escola enquanto se fala da vida, dos limites e aspirações de cada um. O filme poderia ter como subtítulo a frase simples e objetiva da professora Suzana, de uma escola estadual da periferia de São Paulo: “A escola não é diferente do mundo”.



A edição foi estruturada de maneira a pontuar diferenças e semelhanças entre as situações de regiões pobres e ricas. Começamos no sertão pernambucano, passamos pela Baixada Fluminense, a periferia de São Paulo e chegamos a uma escola da elite paulistana. Em seguida, empreendemos o trajeto contrário, agregando outros assuntos e histórias ao quadro geral. Nesse percurso, embora certos dilemas típicos da juventude revelem-se comuns a todas as classes, o que se impõe são as profundas dessemelhanças. Os temas passam do mais básico (faltam água, transporte, professores, interesse) ao mais sofisticado (inquietações existenciais, reflexões sobre diferença social). Poderia soar óbvio para quem já tem consciência de sobra, mas o fato de tudo isso transparecer no âmbito específico da relação com a escola é que faz a enorme importância de Pro Dia Nascer Feliz.



Absenteísmo, evasão sistemática, pacto de desinteresse entre professores e alunos, agressões, cansaço e descrença nos métodos de ensino são alguns dos fatos e sintomas que definem a escola como laboratório do futuro de grande parte do país – bem distante, por sinal, do enunciado utópico contido no cazuziano título do doc. Se hoje 97% da população em idade escolar chegam a freqüentar aulas, isso não significa que a situação melhorou muito desde o “panorama sombrio” de 1962, expresso no filmete pró-educação que abre o doc.



Há personagens e conversas preciosas ao longo do filme, mas poucos momentos serão mais esclarecedores dos impasses do sistema educacional do que a reunião do conselho de professores de uma escola de Duque de Caxias, no Rio. A discussão a respeito da aprovação de um aluno difícil é um daqueles momentos que desmentem os críticos do cinema direto: a “mosca na parede” enxerga uma síntese que nenhuma entrevista ou informação indireta poderia reproduzir.



Felizmente, Pro Dia Nascer Feliz não é apenas um doc importante, mas igualmente muito bem feito. A beleza da fotografia de Gustavo Hadba se integra à proposta de um filme intimista, mais pessoal que propriamente temático. A edição bem ritmada (do próprio Jardim) torna mais fácil absorver não só o sentido do que diz cada personagem, mas também a emoção que acompanha cada fala. Não me lembro de um único momento em que o entrevistado não esteja expressando algo que lhe soa absolutamente essencial – mesmo que seja uma aparente indiferença. O tratamento sonoro é de primeira e a trilha sonora de Dado Villa-Lobos aquece suavemente as pausas do verbal.



Num filme tão coeso, pode causar estranhamento um bloco de falas em off de jovens criminosos perto do final. Em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, suas imagens não foram gravadas. Uma vez que a tragédia potencial já havia sido implicitamente sinalizada no filme, a inclusão do áudio chama mais atenção como um corpo estranho na linguagem e um recurso dramático extremo do que como o alerta pretendido.





PRO DIA NASCER FELIZ

Brasil, 2005

Direção, roteiro e edição:
JOÃO JARDIM

Pesquisa e colaboração no roteiro: RENÉE CASTELO BRANCO

Fotografia: GUSTAVO HADBA

Música: DADO VILLA-LOBOS

Som direto: ALOYSIO COMPASSO, HERON ALENCAR

Edição sonora: WALDIR XAVIER

Produção: FLÁVIO R. TAMBELLINI, JOÃO JARDIM

Duração: 88 minutos

Site oficial: clique aqui

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