Críticas


CARTAS DE IWO JIMA

De: CLINT EASTWOOD
Com: KEN WATANABE, KAZUNARI NINOMIYA, TSUYOSHI IHARA
17.02.2007
Por Marcelo Janot
A OUSADIA É SÓ MAQUIAGEM

Do ponto de vista humanístico, é bastante louvável a iniciativa de um diretor hollywoodiano como Clint Eastwood, mostrando a sangrenta batalha de Iwo Jima do ponto de vista dos combatentes japoneses. Se o americano já não costuma enxergar o estrangeiro como um ser humano igual a ele, ir ao cinema para assistir a um filme com legendas, inteiramente falado em japonês, soa como um sacrifício de outro mundo. Ainda mais quando esse filme é centrado em seus inimigos de guerra e a intenção não é endemonizá-los.



Do ponto de vista cinematográfico, o projeto A Conquista da Honra/ Cartas de Iwo Jima também é muito interessante. A possibilidade de trabalhar com um filme-espelho, que reflete visões culturais totalmente distintas, abre um enorme leque de opções, mesmo que as tramas de cada um tomem caminhos diferentes. Diferentemente, por exemplo, das inúmeras refilmagens americanas para obras de outras nacionalidades, que em muitos casos se limitam, para facilitar a aceitação no mercado interno, a adaptar os códigos culturais estrangeiros para sua própria realidade – vide o exemplo recente do ótimo Os Infiltrados, de Martin Scorsese, baseado em um filme de Hong Kong (Conflitos Internos).



O problema de Cartas de Iwo Jima, tanto de um ponto de vista quanto de outro, é que Clint Eastwood não desenvolve a contento as duas propostas. Ao estabelecer um contraponto à visão americana mostrada em A Conquista da Honra, ele parece tão preocupado em provar que dos dois lados há pessoas boas matando por uma causa ruim, que acaba deixando um pouco de lado justamente as diferenças. Elas existem num nível bem mais profundo e complexo do que é mostrado, e não se resumem ao fato de os americanos irem para a guerra sonhando com o retorno seguro para o lar, enquanto os japoneses estariam dispostos a morrer em nome da pátria, amarrando granadas junto ao peito para se auto-explodirem ao atacar o inimigo.



O jovem soldado Saigo é o porta-voz da contradição dessa visão kamikaze. Sua caracterização como o sujeito comum que não sabe o que está fazendo ali, o inocente que a todo instante escapa do pior por um triz, é aquele personagem-clichê feito para o público se identificar, já visto em tantos filmes americanos. Esse e outros elementos melodramáticos gastos (como a leitura da carta da mãe de um soldado americano capturado, pedindo que o filho “faça o bem e o certo”) explicam porque Cartas de Iwo Jima foi mais bem aceito entre o público e os votantes do Oscar (com quatro indicações, incluindo melhor filme, diretor e roteiro) do que o provocante A Conquista da Honra. Personagens como o do general Kuribayashi, cujo caráter humanista é influenciado por sua experiência de vida nos EUA, ajudam a tornar Cartas um legítimo filme americano de guerra, até no sentido patriótico do termo. Tem cenas de batalha filmadas com um realismo pungente, bom elenco e direção competente, como “O Resgate do Soldado Ryan” e tantos outros. A ousadia, nesse caso, é só maquiagem.



Leia a crítica de A Conquista da Honra



# CARTAS DE IWO JIMA

EUA, 2006

Direção: CLINT EASTWOOD

Roteiro: IRIS YAMASHITA

Produção: CLINT EASTWOOD, STEVEN SPIELBERG, ROBERT LORENZ

Fotografia: TOM STERN

Edição: JOEL COX E GARY D.ROACH

Música: CLINT EASTWOOD

Elenco: KEN WATANABE, KAZUNARI NINOMIYA, TSUYOSHI IHARA

Duração: 141 min.

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