Críticas


PARASITA

De: BONG JOON-HO
Com: SONG KANG-HO, CHOI WOO-SIK, PARK SO-DAM
11.11.2019
Por Marcelo Janot
Um dos filmes que melhor traduziu, cinematograficamente, o abismo social e econômico do início do milênio.

PARASITA, do sul-coreano Bong Joon-ho, será lembrado no futuro como um dos filmes que melhor traduziu, cinematograficamente, o abismo social e econômico das primeiras décadas do novo milênio. Poucas obras tiveram a capacidade de reciclar velhas ideias, como os batidos clichês dos pobres no andar de baixo X ricos no andar de cima, oferecendo novas camadas de potentes metáforas.

A família pobre é um retrato de 2019: sobrevivendo através do subemprego (dobradores de embalagens de pizza), tendo que “filar” o wi-fi alheio pra se conectar com o mundo, espremidos em um apartamento abaixo do nível da dignidade. Os filhos, já adultos, estudaram, mas isso não lhes garantiu nenhuma oportunidade. O mais velho ainda sonha com a ida à universidade.

A família rica é o outro extremo da pirâmide: vive em uma daquelas casas que parecem um museu de design de ostentação, o marido é um empresário bem-sucedido que tem aversão aos cheiros (sim, no plural) de gente pobre, a mulher é uma dona de casa alienada, paranóica e obsessiva com a assepsia, que cria os filhos seguindo a fórmula de que o dinheiro pode comprar tudo.

Quando Ki-woo, o filho jovem da família pobre, é indicado por um amigo para dar aulas particulares de inglês para a filha adolescente da família rica, ele tem que falsificar diploma de alguma universidade americana e, uma vez lá dentro, percebe que não será difícil enganar aquela gente tão endinheirada quanto ingênua. Sem revelar os laços familiares, indica a própria irmã (que também precisa arrumar um selo de qualidade “made in USA”) para ser tutora de artes do filho pequeno. Ela mostra que a “erudição” contemporânea está a um Google de distância para ambas as classes.

É uma aula de direção de Bong Joon-ho, que nos apresenta aos personagens e situações como uma sinfonia do absurdo: música clássica na trilha sonora, câmera que flutua pelos ambientes espaçosos da casa. Só que tudo aquilo que estamos vendo soa bastante real e contemporâneo.

De repente, às custas de uma engenhosa vigarice, toda a família pobre estará presente na mansão recebendo salários. É natural que em um dado momento eles queiram, mesmo correndo um certo risco, experimentar um pouco do gostinho de serem ricos por uns dias.

É aí que há uma virada na trama que permitirá ao filme, ao mesmo tempo em que acentua o flerte com o cinema de gênero (no caso o thriller de suspense), uma nova camada de significados em sua crítica social. O impasse que se coloca desemboca em cenas antológicas (uma delas envolve a inundação na parte pobre da cidade), mas também expõe o que a meu ver seriam problemas do roteiro que, se não tiram a força e a excelência do filme como um todo, tiram pontos dele no quesito verossimilhança, se pensarmos que a proposta é, no fim das contas, realista.



ATENÇÃO: AQUI COMEÇAM OS SPOILERS. SE NÃO VIU O FILME, NÃO LEIA!



Vamos às “forçações de barra” do roteiro:

1. A família pobre está curtindo a vida de rico enquanto os patrões viajaram. A casa está um caos, estão todos bêbados. A ex-governanta aparece dizendo que veio buscar algo. O que seria natural? Que mandassem ela voltar daqui a uns dias. Ela até poderia ter uma cópia da chave se os patrões ingênuos não tivessem trocado as fechaduras. Mas abrem a porta pra ela, numa solução pouco provável.

2. A ex-governanta está mostrando para sua substituta seu marido escondido no bunker do porão. Os integrantes da família estão escondidos na escada. Subitamente todos escorregam e caem. Forçado, não?

3. Mais tarde, já durante o churrasco de confraternização, Ki-woo desce com a pedra na mão para tentar dar cabo do marido da ex-governanta. A pedra subitamente escorrega da sua mão, alertando para sua presença, outro recurso mais forçado ainda.

4. O uso do código Morse, seja pelo marido da ex-governanta, seja por Ki-taek no fim, também é uma solução preguiçosa e um tanto fantasiosa para resolver aquelas situações.

Enfim, são coisas que poderiam ter sido evitadas após leitura atenta do roteiro, mas que como falei não tiram a potência deste ótimo filme, que confirma o diretor de “O Hospedeiro” e “Mother” como um dos grandes dos nossos tempos.

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