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HISTÓRIA DE UM CASAMENTO

23.12.2019
Por Alberto Flaksman
O problema não são os atores, e sim o texto (uma D.R. nada original) que eles são obrigados a dizer.

“Marriage Story” deveria se chamar “Divorce Story”.

Quem espera ver a crônica de um casamento ou da relação amorosa de um homem e uma mulher será enganado pelo título do filme de Noah Baumbach (disponível na Netflix). Ele conta a história do fim de um casamento, na verdade de uma clássica disputa entre dois advogados caríssimos e agressivos, que transformam o conflito amoroso numa batalha para ver quem é o mais esperto e mau caráter.

Essa é uma crônica de como começam e terminam os casamentos nos Estados Unidos, aparentemente, com uma dose muito pequena de amor e libido e doses maciças de ambições profissionais e luta pelo controle da vida do casal. Quando eu vejo um filme como esse, sinto um grande alívio por não ser americano nem jamais ter tido uma relação amorosa com uma mulher americana.

O sistema jurídico americano, que se propõe a intermediar os conflitos entre maridos e esposas, principalmente quando existem filhos envolvidos, segue de perto a matriz brutalmente capitalista e pragmática que molda a sociedade do país mais rico do mundo. Burgueses americanos tiram a máscara dos sentimentos e passam a falar a linguagem dominante do dinheiro e do embuste. O que produz as cenas constrangedoras a que assistimos nesse “História de um Casamento”.

Como se isso não bastasse, o diretor e roteirista Noah Baumbach cria uma personagem feminina detestável, fraca e mentirosa, que se submete como uma idiota (ou uma cínica, se preferirem) a uma advogada oportunista e pseudofeminista. Diante dessa mulher desagradável e confusa, muito bem interpretada por Scarlett Johansson, por sinal, Baumbach toma claramente o partido do homem, também interpretado com talento por Adam Driver. O problema não são os atores, e sim o texto (uma D.R. nada original) que eles são obrigados a dizer. Os que esperam uma história honesta e equilibrada são apresentados a um filme de mocinho e bandida.

“Marriage Story” foi exaltado como uma obra-prima pela maioria esmagadora da crítica americana. Suponho que os críticos de lá, como quase todos os seus compatriotas, acham que amor é isso aí, que casamento é isso aí, e que uma separação não pode ser muito diferente disso. Some-se a essa abordagem diminuta e desprovida de sentimentos dignos desse nome os números musicais totalmente gratuitos, com canções de Stephen Sondheim (who else?), para a obra toda desabar como apenas mais um filminho de Noah Baumbach. Ingmar Bergman, pensando no seu “Cenas de um Casamento”, deve ter girado no seu túmulo.



ALBERTO FLAKSMAN é produtor e professor de cinema.

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