Críticas


CARTOLA – MÚSICA PARA OS OLHOS

De: LÍRIO FERREIRA E HILTON LACERDA
09.04.2007
Por Carlos Alberto Mattos
CARTOLA SUBMERSO

Não gostei de não gostar de Cartola – Música para os Olhos. Conhecia o projeto desde 1999, quando ainda se chamava Peito Vazio e seria dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Alimentava grandes expectativas sobre um doc que se pretendia anticonvencional e, a princípio, privilegiaria as ocupações e biscates do compositor. Hilton Lacerda, excelente roteirista, entrou no lugar de Caldas sem abalar minha confiança. Hilton e Lírio são talentosíssimos e corajosos.



Não posso, contudo, esconder o desapontamento com um filme que, a pretexto de ser “diferente”, afoga seu personagem num mar de referências e quase o perde de vista. Pegar uma carona na história de Cartola para recontar as origens do samba é bastante admissível, mas daí a ver na sua música lírica e majestosa um comentário sobre a história política brasileira vai uma distância que só forçando a barra.



A busca de uma linguagem menos condicionada pelos lugares-comuns do doc biográfico levou os realizadores a tentarem uma aproximação com o estilo “marginal” de Rogério Sganzerla e Julio Bressane (incluindo cenas de O Mandarim e Brás Cubas). Em certos trechos do filme, o mosaico de cenas alheias e imagens de arquivo inunda os sentidos do espectador a ponto de fazer submergir o pobre Cartola. E a qualidade dos materiais em vídeo às vezes dói na vista. Em outras passagens, a algaravia de vozes e imagens não permite saber quem está dizendo o quê. De maneira geral, o roteiro não consegue criar um amálgama coeso de tempos, músicas e personagens, deixando que momentos fortes se anulem rapidamente na pletora de materiais e citações.



Um exemplo da ansiedade de inovação: ao explorar uma foto histórica de grupo no bar Zicartola, a câmera se agita tanto que não conseguimos absorver nem feições, nem a emoção contida na imagem. Outro exemplo: os diretores alegam terem deixado de lado o nariz de Cartola (vítima de uma doença e retocado por Ivo Pitanguy) para estimular as pessoas a pesquisarem sobre isso. Se a moda pega, teremos muitos docs com lacunas para serem preenchidas via Google.



Não gosto do filme, mas, ainda assim, acho que merece ser visto. Para quem ama Cartola – e quem não ama Cartola? – há atrativos absolutos nas imagens do próprio, nas músicas sempre emocionantes, em algumas histórias folclóricas. Na segunda metade o filme até ganha certa ginga, certa graça. Mas faltou encontrar e construir o personagem em meio a um desarranjo de boas intenções.



CARTOLA – MÚSICA PARA OS OLHOS

Brasil, 2006

Direção e roteiro:
LÍRIO FERREIRA e HILTON LACERDA

Montagem: MAIR TAVARES, RODRIGO LIMA, LESSANDRO SÓCRATES

Produção: CLELIA BESSA, HILTON KAUFFMANN

Consultoria: ELTON MEDEIROS

Pesquisa: BETH FORMAGINI, ROBERTO AZOUBEL, WANDA RIBEIRO

Direção de arte: CLAUDIO AMARAL PEIXOTO

Duração: 88 minutos

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