Críticas


MARIA

De: ABEL FERRARA
Com: JULIETTE BINOCHE, FOREST WHITAKER, MATTHEW MODINE
18.04.2007
Por Luiz Fernando Gallego
FIXAÇÃO RELIGIOSA

Enquanto a câmera de Abel Ferrara consegue fluência, agilidade e um eventualmente criativo modo de olhar, suas idéias são frequentemente confusas e até mesmo primárias. Ambicioso, em Maria ele tenta discutir as relações do homem atual com o sagrado que teria sido perdido na institucionalização das religiões. Para sua demonstração ele escolheu três caminhos (bastante esquemáticos) para os personagens centrais: uma atriz que abandona o cinema por experiências místicas depois de ter encarnado Maria Madalena como uma discípula privilegiada de Jesus em um filme; o diretor deste filme, que briga de modo narcisista e arrogante pelo direito democrático de mostrar uma visão do cristianismo diferente do que se tornou canônico; e um apresentador de programas de entrevistas na TV que está colhendo uma série de depoimentos de estudiosos e teólogos sobre a mensagem de Jesus Cristo.



A primeira personagem, interpretada com a habitual competência por Juliette Binoche, permanece muito unidimensional, o que soa um desperdício da proposta original (e de uma das maiores atrizes do cinema de hoje). A perosnagem-atriz, também chamada Marie, parece ter tido uma epifania durante as filmagens de um evangelho “apócrifo”, não reconhecido pela Igreja Católica. Mas o "aprofundamento" de sua jornada religiosa parece ter quase se limitado a ter ido para Jerusalém - o que não deixa de parecer uma opção um tanto "concreta" em matéria de "jornada" mística.



O diretor do filme, que também interpretou Jesus em sua obra - vivido por Matthew Modine com boa presença - não parece manter nenhuma coerência pessoal com o que filmou; e por conta disto pode deixar a impressão de que esteja usando apenas o direito de polemizar como caminho para alcançar algum sucesso e repercussão através de um clima de escândalo e desafio de dogmas estabelecidos pelas instituições religiosas. Neste aspecto até faz lembrar tentativas anteriores de Ferrara, quando filmou Madonna como freira ou quando mostrou Harvey Keitel no papel de um policial corrupto se masturbando em via pública. Será mesmo que as questões teológicas e metafísicas interessam tanto ao diretor Ferrara? Ou não passam de um cacoete de fixações religiosas mal elaboradas? Afinal, para falar e/ou para questionar o maravilhoso e o sagrado, o cinema já nos deu de Dreyer (A Palavra) a Rosselini (especialmente em Europa ‘51, dentre outros filmes) - e seria melhor nem lembrar destes nomes nem de suas obras excepcionais quando pensamos os filmes de Ferrara.



O terceiro personagem - a quem o filme dedica mais tempo - é o de Forest Whitaker em um desempenho excepcional que ajuda a esquecer o moralismo forçado na trajetória de seu personagem - que deixa de ser um tanto sensacionalista e igualmente egocêntrico em seu programa de TV e em sua vida particular – a quem o roteiro reserva o enfrentamento com sentimentos de culpa, remorsos e busca de reparação através da Fé.



Além destes personagens-tipos ficcionais do roteiro, vemos quatro depoimentos de estudiosos das religiões com algumas opiniões bem originais e outras idéias que não são imediatamente apreendidas em meio à variação de cenas, situações e personagens de ficção. Um filme de tese? Parece que a intenção era esta, mas mesmo que se considere sua postura não dogmática nem conclusiva, com um final “em aberto” mais cômodo do que bem articulado, o que fica é a impressão que Ferrara não sabia como desenvolver suas idéias além dos estereótipos e clichês - que só os excelentes atores conseguem redimir um pouco - nem concluir seu filme de forma minimamente satisfatória.



Há boas cenas no “filme dentro do filme” e momentos apreciáveis de narrativa cinematográfica, especialmente na cena da estréia do tal filme sofrendo ameaças de grupos religiosos. Mas o que está sendo narrado acaba soando superficial, contradizendo a pretensão da forma narrativa mais esperta no modo de olhar do que no que se quis discutir. Com menos frenesi, Scorsese atingiu resultados infinitamente mais plenos em A Última Tentação de Cristo. E quando procurou menos polêmica ou escândalos o próprio Ferrara foi mais feliz em Os Chefões, um dos últimos filmes seus que conseguiu lançamento comercial antes deste – e isto há mais de dez anos...



Para discutir religião nos filmes, especialmente cristianismo, ainda é melhor voltar a Bresson, Rosselini, Scorsese, Dreyer - e até mesmo àquele que adorava odiar o catolicismo, Don Luís Buñuel.





# MARIA (MARY.)

Itália, França, EUA, 2005

Direção: ABEL FERRARA

Roteiro: ABEL FERRARA, MARIO ISABELLA, SIMONE LAGEOLES, SCOTT PARDO.

Fotografia:STEFANO FALIVENE

Montagem: PATRIZIO MARONE, ADAM MACCLELLAND, FABIO NUNZIATA, LANGDON PAGE, JULIA RUELL.

Música:FRANCIS KUIPERS.

Elenco:JULIETTE BINOCHE, FOREST WHITAKER, MATTHEW MODINE, HEATHER GRAHAM

Duração: 83 minutos

Site oficial: clique aqui

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