Críticas


PROIBIDO PROIBIR

De: JORGE DURÁN
Com: CAIO BLAT, MARIA FLOR, ALEXANDRE RODRIGUES, EDYR DUQUI
27.04.2007
Por Nelson Hoineff
É PROIBIDO FILMAR

O fato de um cineasta sério como Jorge Durán levar mais de 20 anos para realizar um novo filme revela um pouco dos mecanismos grotescos de produção e distribuição que se instalaram no Brasil. A indústria cresceu sem formar mercado. A distribuição tornou-se crescentemente monolítica, criando um gargalo que não apenas inibe, mas inviabiliza a circulação do produto cinematográfico brasileiro médio. E a exibição atrofiou, a despeito da construção de novas salas, porque os grandes lançamentos tornaram-se cada vez maiores e o setor foi incapaz de atender à pluralidade da demanda – que existe em toda parte, em toda forma de consumo e que é maior numa sociedade tão heterogênea quanto a brasileira. Para os que investem na produção, assim como para as limitadíssimas alternativas de distribuição e para todo o parque de exibição – inclusive os que apontam para nichos de qualidade – um filme brasileiro é tão melhor quanto mais se parecer com a novela da Record.



Essa é uma distorção grave do mercado, que engessa e perverte a produção brasileira, mas que de modo algum suprime os avanços na linguagem do audiovisual com os quais o espectador se familiariza todos os dias. Isto se dá através de uma grande variedade de famílias de produtos, não importa se os blockbusters, os filmes independentes de qualquer origem, as séries para televisão, até mesmo os filmes publicitários.



O fato é que a mensagem não está envolucrada na sua ética e nem nas peculiaridades de seu modelo de produção. De um filme realista, seja lá o que ele esteja querendo dizer, espera-se o atendimento a códigos narrativos – e o fato é que esses códigos evoluíram. Por isso, o que era o chamado “cinemão” dos anos 80 tornou-se anacrônico hoje no Brasil. Esses filmes não são melhores ou piores do que os que se fazem hoje nas produtoras que, em sua maioria, cresceram produzindo comerciais. Eles são simplesmente defasados. Não apenas tecnicamente, mas bem além disso: na maneira de construir a imagem, na forma de estabelecer um primeiro diálogo com sua platéia.



Não é por outra razão que filmes nascidos de grandes produtoras de comerciais, como a O2 ou a Conspiração, parecem bons mesmo que não o sejam. Eles são atraentes em comparação com formas menos elaboradas de construção; são quase imunes a defeitos essenciais – e dessa forma criam novos patamares na oferta de um universo audiovisual ao espectador, fazendo com que o que era o cinema brasileiro tecnicamente de ponta de 20 anos atrás pareça bem mais velho do que ele realmente é. Tais filmes estão longe de se constituir em modelos de coisa alguma (e muitas vezes suas imagens tão bem elaboradas camuflam ideários de singular perversidade). Mas estabelecem elos entre a construção da imagem e sua apreensão pelo espectador. Elos que não podem mais ser desfeitos (e para falar a verdade não existe a menor razão para que sejam).



Acreditar no que fazem os personagens (no modelo realista de que estamos falando) é, por exemplo, essencial. Dizer isso para se referir a um filme escrito por Jorge Durán pode parecer pueril. O cinema brasileiro deve a ele roteiros magníficos, como os de Lucio Flavio - o Passageiro da Agonia, Pixote - A Lei do Mais Fraco, Gaijin - Caminhos da Liberdade e O Beijo da Mulher Aranha. Não é pouco. É sintomático que sejam quatro filmes realizados entre o final dos anos 70 e meados dos 80 – três dos quais transformaram Hector Babenco num grande diretor de cinema e um possibilitou a Tizuka Yamazaki um desempenho lembrado com saudade até hoje. Representam o melhor de uma fase em que o cinema brasileiro parecia não ter para onde ir. São títulos que revigoraram a cinematografia brasileira numa época difícil e indicaram que havia caminhos nobres a ser trilhados quando pouca gente acreditava nessa possibilidade.



Durán escreveu muitos outros filmes – nenhum tão importante quanto esses quatro – e dirigiu dois outros. O primeiro deles, O Escolhido de Iemanjá, de 1978, é quase inédito. O outro, A Cor do Seu Destino, de 1986, jamais indicou que por trás do roteirista houvesse um grande diretor. O cineasta levou 21 anos para chegar a Proibido Proibir. O que ele contém aponta para um trabalho que confirma a nobreza habitualmente presente em seus textos. Mas indica também que a previsão possibilitada por seu filme anterior não estava errada.



A trama é simples. Paulo (Caio Blat) é um estudante de medicina fazendo residência num hospital público. Ele mora com Leon (Alexandre Rodrigues), que estuda ciências sociais e namora a estudante de arquitetura Letícia (Maria Flor). Paulo é branco, bonitão, bom aluno e só pensa em se drogar. Leon é negro e exibe preocupações sociais ausentes em seu amigo. Letícia está indecisa.



Durán acompanha com emoção muitos passos de seus personagens. A ação das drogas sobre Paulo, assim como sua determinação em mergulhar no drama de uma paciente terminal e do inferno social que a cerca estão entre os melhores momentos do filme. Isso é facilitado pela firmeza de Blat, o melhor ator num elenco desafinado. A rigor, no entanto, o que os três amigos fazem ou dizem está longe de estimular intelectualmente o espectador que os observa. Mais: é incapaz de fazê-lo acreditar nos personagens. De embarcar, como alguns gostariam de dizer, nesse exercício diegético.



A fragilidade do elenco é apenas parte do problema. Proibido Proibir revela dificuldades de fluência que tem origens mais complexas. Mais de uma vez os intérpretes – não os personagens – parecem hesitar sobre seus próximos passos. Meu coração quer creditar tal coisa a um exercício estilístico do diretor, mas minha mente aponta no sentido contrário. A cena dos três protagonistas mergulhando na praia dá munição a essa hipótese. É como se o filme, que tem tanto a dizer, simplesmente não tivesse o que dizer. Ele engasga, como às vezes engasgamos quando queremos chegar a algum lugar e não sabemos por onde conduzir o discurso. Acaba seguindo aos trancos, como um automóvel com entupimento.



Por isso, Proibido Proibir muitas vezes lembra mais um ensaio do que um filme acabado. Um bom ensaio até, onde a rigor não há nada de errado, mas onde o texto pode ser mais trabalhado, o casting pode ser repensado, a câmera pode se colocar melhor, os clichês podem ser limados.

Olhando-se o filme por essa ótica percebe-se que não é do triângulo amoroso que ele está falando, nem do universo sombrio que corrói progressivamente os personagens, que corrói todos os dias cada um de nós, que torna inabitável o espaço que somos obrigados a habitar. Ainda que à revelia do autor, Proibido Proibir trata da condenação de um artista expressivo a filmar uma vez a cada 20 anos. Da estupidez de lógicas de produção e mercado monolíticas que dificultam os nossos próximos passos como limitam as opções de Caio, Alexandre e Maria. Que simplesmente atrofiam a nossa capacidade de nos expressar.



b># PROIBIDO PROIBIR

Brasil/Chile, 2006

Direção: JORGE DURÁN

Roteiro: JORGE DURÁN, DANI PATARRA, GUSTAVO BOHRER

Fotografia:LUÍS ABRAMO

Montagem:PEDRO DURÁN

Elenco:CAIO BLAT, MARIA FLOR, ALEXANDRE RODRIGUES, EDYR DUQUI, ADRIANO DE JESUS, LUCIANO VIDIGAL, RAQUEL PEDRAS

Duração: 100 minutos

Site oficial:www.proibidoproibir.com

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