Críticas


ESTRANHA PERFEITA, A

De: JAMES FOLEY
Com: HALLE BERRY, BRUCE WILLIS, GIOVANNI RIBISI
05.05.2007
Por João Mattos
ARGUMENTO HITCHCOCKIANO INVOLUNTÁRIO

Impressiona constatar como certas obras acabam corroborando, como inocentes úteis, as idéias concebidas por outros artistas, com os quais estas mesmas obras têm um parentesco distante, primordialmente por elos de filiação de gênero, e depois pela influência inegável e enorme de um criador maior no, digamos, inconsciente coletivo de um setor de realização artística. Bom exemplo é este A Estranha Perfeita, filme que tem uma daquelas conclusões metidas a segredo genial, que, por sinal, não será explicado por aqui, a não ser por uma mui discreta, porém forte pista que será dada numa frase.



Sobre a idéia que o filme acaba apoiando sem querer: esta é uma obra de suspense, e ainda que não seja influenciada de maneira óbvia por Alfred Hitchcock (citação, gramática de estilo cinematográfico, etc), reforça o valor de uma das idéias mais caras ao cineasta inglês: a distinção do que é suspense. A tese hitchcockiana em linhas gerais é esta (a memória pode nos trair em certos detalhes do exemplo dado, mas em essência é isso aí mesmo): se numa cena mostramos uma bomba explodindo dentro de um restaurante, sem aviso nenhum ao espectador de que isso ia acontecer, temos uma surpresa; se a explosão continuasse ocorrendo, mas antes dela fosse mostrado alguém, como um garoto, um mensageiro, carregando até o restaurante uma maleta pela cidade sem saber que nela estivesse uma bomba, e sendo tal informação fornecida para a platéia, ela faria com que todos os espectadores ficassem nervosos, ansiosos, querendo saber o que vai acontecer (será que vai explodir?, o garoto vai se salvar?). Isto seria o suspense: a excitação real da platéia com uma informação que personagens no filme não têm, e que afeta muito a vida deles.



Hitchcock usava o exemplo para argumentar que preferia o suspense à surpresa (a partir daí usaremos o termo suspense-surpresa), pois a segunda coisa choca a platéia, mas não traz o grau de compartilhamento emocional que o suspense tem, sem falar que, para surpreender as pessoas, qualquer arranjo de dramaturgia absurdo pode ser feito, apenas para justificar o truque de surpreender o máximo possível. O cineasta aproveitava para com isso também menosprezar o whodunit (contração do termo inglês who done it?, ou seja quem fez?, porém significando quem matou?, pois quase sempre se refere a mistérios de assassinato), forma mais notória do suspense-surpresa (seja nas telas, em livros, na TV ou até no teatro), mas mesmo Hitchcock fez filmes deste tipo como Pavor nos Bastidores, 1950. O curioso é que apesar de ter sido o diretor mais popular que a sétima arte já teve, Hitchcock não estava em sintonia com o gosto da platéia por suspenses-surpresa, já que o grande público adora este tipo de obra e as empresas que fazem este tipo de produto apostam nisto.



A Estranha Perfeita, é um filme de suspense-surpresa, é um filme de quem matou. Halle Berry como uma jornalista bem intencionada, cujo engajamento a leva a fazer sensacionalismo na profissão sem hesitar - é constrangedora sua primeira cena -, vai investigar o sumiço, depois confirmado como assassinato, de uma velha amiga, que pode ter se envolvido com um megaempresário (Bruce Willis); disfarçada, ela vai trabalhar na companhia do sujeito. A cada passo que dá, auxiliada por um amigo de imprensa (Giovanni Ribisi), descobre indícios que apontam com clareza para a culpa do homem poderoso. Estranha não quer mais que, em primeiro lugar, manipular epidermicamente a emoção do espectador – e não é por isso que é muito ruim, mas por apostar com pujança demais nessa tática usando de um grau de pomposidade séria que termina cômica (nisso se parece demais com outro filme que esteve em cartaz no Brasil, Número 23, de Joel Schumacher). Não se trata de rejeitar por completo esse tipo de cinema, pois mesmo suspenses-surpresas conseguem atingir um grau de excelência, graças à ironia perspicaz com que articulam o rocambolesco de suas reviravoltas (Os Suspeitos, de Bryan Singer, 1995).



Por aqui, o diretor James Foley (que fez uma obra-prima: Caminhos Violentos, 1986, com Christopher Walken e um jovem Sean Penn, num inesquecível drama sobre conflito pai e filho, um moderno Vidas Amargas, de Elia Kazan, 1955), repete os mesmos erros que cometera em outro suspense (Medo, de 1996), utilizando montagem e fotografia (de Christopher Tellefsen e Anastas Michos, dupla que foi boa em O Mundo de Andy, de Milos Forman, 1999), numa métrica e tipo de imagem que não varia de tom, não equaciona as cenas com potencial de serem mais fortes em relação às banais.



Para suplantar as deficiências do roteiro de Estranha (guarde esse nome, que merece desconfiança: Todd Komarnicki, que dividiu o argumento com outra pessoa), Foley precisaria mesmo realizar um exercício de direção fora do comum, que sufocasse a ingenuidade extrema das táticas do texto. Certos detalhes de cenas querem, num primeiro momento, apontar para um suposto desvio na trama, a possibilidade de que haja um culpado, olha só, surpresa, porém a forma muito assinalada como isso se realiza apenas deixa claro que virá um outro golpe teatral de roteiro, e a culpa recairá sobre outra pessoa, o que será, olha só, surpreendente. A coisa começa com aquele movimento de câmera que sai dos dois amantes e mostra uma pessoa nas sombras; embora discreto, é enfático, e pistas em excesso nessa direção são dadas; depois um dos recursos mais clássicos do cinema é usado demais ao longo da narrativa, costurando e definindo uma historinha à parte, que para bom entendedor tira o impacto do final.



Quando termina, A Estranha Perfeita acaba também valorizando o pensamento de outro talento, o genial ensaísta americano Edmund Wilson (crítico literário e de cinema), autor do famoso texto Quem Se Importa Com Quem Matou Roger Ackroyd? - em que, a partir do livro de sucesso da famosa Agatha Christie, desmistificava e questionava com severidade a estrutura básica intrínseca a esse tipo de romance. Pois em relação a este filmeco, depois da conclusão estapafúrdia metida a sapeca e de um último plano hilariante, podemos dizer “quem se importa com isso?”. Pior que nem bela e charmosa Halle Berry está.





A ESTRANHA PERFEITA

EUA, 2007

Direção:
JAMES FOLEY

Roteiro: TODD KOMARNICKI, sobre argumento de JON BOKENKAMP

Fotografia: ANASTAS N. MICHOS

Montagem: CHRISTOPHER TELLEFSEN

Música: ANTONIO PINTO

Elenco: HALLE BERRY, BRUCE WILLIS, GIOVANNI RIBISI

Duração: 109 minutos

Site oficial: clique aqui

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