Numa cidadezinha sonolenta a leste de Bucareste, exatos 16 anos depois da queda do regime comunista na Romênia, o apresentador de uma estação de TV mambembe resolve celebrar a data histórica com um talk show ao vivo. Procura heróis locais, mas a tarefa não é fácil naquele feriado modorrento. Consegue trazer ao estúdio um professor de reputação alcoólica e um velho aposentado que faz bicos de Papai Noel. Eles juram que gritaram “Abaixo Ceausescu!” antes do fatídico 12h08 de 22 de dezembro de 1989, momento preciso em que a TV anunciou a queda do ditador.
O resto de A Leste de Bucareste é uma avalanche de comicidade irresistível, numa chave de humor sonso e autoderrisório muito típica do Leste europeu. A quase totalidade do filme se passa no estúdio, ou melhor, no quadro da lente do cinegrafista da TV. A falta de qualquer verniz profissional na equipe e na estética do programa, assim como a exposição completa de todos os ajustes técnicos, torna divertida a própria “moldura” em que vemos transcorrer o tal debate. E quanto a este, logo transforma-se em patuscada à medida que os telespectadores começam a se manifestar e a discussão vai incorporando boa parte da comunidade.
É onde emerge a dimensão política do filme de Corneliu Porumboiu. As contradições e os desmentidos dos alegados feitos heróicos põem em dúvida não só a participação da cidade na revolução, como até mesmo a existência de uma revolução. Os temas da automitificação – seja individual ou coletiva – e da construção de heróis-de-pés-de-barro, tão caros ao cinema (basta lembrar A Conquista da Honra, A Estratégia da Aranha, Uma Cidade sem Passado), ganham aqui um exemplar modesto na produção, mas notável na solução dramatúrgica. E com uma inversão fundamental, pois nesses casos geralmente é o coletivo que protege os mitos, enquanto certos indivíduos se insurgem contra ele. Aqui, é a comunidade que denuncia a farsa, num impulso autodestrutivo e antifantasioso que parece dizer muito sobre o espírito romeno.
O caráter patético da vida sob o comunismo versão Ceausescu, que se pode extrair das referências ao passado, não parece de todo extinto no país atual. Está claro que o diretor-roteirista mirava a Romênia de hoje, ainda defasada econômica e culturalmente e sem uma identidade política constituída. Entre as poucas coisas que devem ter melhorado de verdade está justamente o cinema. Cannes consagrou recentemente A Morte do Senhor Lazarescu (vencedor da mostra Un Certain Regard em 2005), A Leste de Bucareste (Cámera d’Or em 2006) e Quatro Meses, Três Semanas e Dois Dias (Palma de Ouro e Prêmio da Crítica na edição deste ano). Já é o bastante para se falar numa onda de cinema romeno. Talvez seja exagero, mas que há uma marola, isso há.
A LESTE DE BUCARESTE (A FOST SAU N-A FOST?)
Romênia, 2006
Direção, roteiro e produção: CORNELIU PORUMBOIU
Fotografia: MARIUS PANDURU
Montagem: ROXANA SZEL
Música: ROTARIA GROUP
Elenco: MIRCEA ANDREESCU, TEODOR CORBAN, ION SAPDARU
Duração: 89 minutos