Em dado momento desta primeira versão cinematográfica de O Quinze, Jurandir de Oliveira, diretor e intérprete do vaqueiro Chico Bento, faz um gesto brusco ao discutir com a mulher e assusta o burro que está ao seu lado. A reação do bicho desarruma por um momento a cena. Instila uma certa vida onde só havia cálculo cuidadoso, medo de errar.
Os animais, aliás, acabam prestando um bom serviço ao filme. Quando um menino se enrosca no chão com um cachorro ou a matança de um bode se impõe à sobrevivência da família de retirantes, O Quinze ganha a graça da incerteza, um risco mínimo a informar que temos ali alguma coisa além de literatura com figurinos.
Nunca li o clássico romance de Rachel de Queiroz (1910-2003), um dos primeiros – se não o primeiro mesmo – a lidar com o tema da fome e da seca no Nordeste, ainda que numa perspectiva mais conformada socialmente. Minha relativa ignorância levou-me a pensar inicialmente que o filme pecava por um aparente excesso de fidelidade ao original. Depois, ao ler sobre o projeto, soube que Jurandir Oliveira (ator discreto e técnico experiente em sua estréia na direção) incorporou ao roteiro episódios de sua infância na Paraíba, com autorização da escritora. Logo, a adaptação não foi feita ao pé da letra.
Concluo, portanto, que a disciplina que “imobiliza” a maior parte do filme vem da reverência não à obra literária, mas à ferramenta dos diálogos. Construído quase que somente em função das falas, O Quinze raramente se realiza como linguagem cinematográfica. Ficam na memória os poucos momentos em que esse milagre se dá: a montagem na cena do estupro, a hesitação de Duquinha ao ser adotado pela madrinha rica. Ou a participação, não totalmente domada, dos animais.
Vale ressaltar a reaparição de Maria Fernanda, filha de outra grande escritora brasileira, Cecília Meirelles. Num elenco pautado mais pela correção que pelo brilho, a autoridade cênica e a precisão de tom de Maria Fernanda são fontes de prazer.
O QUINZE
Brasil, 2006
Direção, roteiro, direção de arte: JURANDIR OLIVEIRA
Fotografia: LUIS ABRAMO
Montagem: LUELANE LOIOLA
Música: ROBERTO MENESCAL
Elenco: JURANDIR OLIVEIRA, SÔIA LIRA, KARINA BARUM, JUAN ALBA
Duração: 100 minutos
