O amálgama entre vida e arte é abordado em Cão sem Dono , novo filme de Beto Brant (direção partilhada com Renato Ciasca) que surge filiado a um cinema em busca da autenticidade do instante, algo perceptível na câmera de Toca Seabra e no trabalho dos atores, distantes do tom de representação declamada. As falas são sobrepostas umas às outras em diálogos (aparentemente?) improvisados que, ao contrário de flertarem com um naturalismo banal, parecem resultar de um determinado processo de construção.
Atravessado por manifestações de intimidade, Cão sem Dono procura colocar o espectador diante de pessoas – e não de personagens – que se expressam no registro do relato confessional, não impostam a voz na hora de cantar, mostram cicatrizes e não “encenam” o sexo. Nesse sentido, a seqüência de um exame médico registra o interior de um corpo. Os espectadores escutam a respiração dos atores e são levados a sentirem-se bastante próximos dos diálogos coloquiais, como se a barreira da tela grande fosse, senão suprimida, pelo menos minimizada. No entanto, contrastando com tudo isto, Brant e Ciasca (que assinam o roteiro com Marçal Aquino, a partir do livro Até o Dia em que o Cão Morreu , de Daniel Galera) investem numa tradicional estrutura de ficção, centrada na história de um rapaz, Ciro, que conhece uma moça, Marcela, acaba se envolvendo mais do que planejou a princípio, perde o controle da situação e finalmente retoma seu rumo. Um filme romântico, passional, com direito a excessos (o câncer de Marcela, que deflagra seu afastamento e a crise de Ciro).
Cão sem Dono está mais ligado ao trabalho anterior de Beto Brant, o excelente Crime Delicado , especialmente no que diz respeito a uma proposta de transposição da literatura para o cinema que valoriza discussões artísticas (o caráter revelador da pintura reaparece, mesmo que de modo mais pontual). Entretanto, apesar de ter flertado com a gramática do thriller nos outros longas – Os Matadores , Ação entre Amigos e O Invasor –, o cineasta continua questionando fronteiras (entre ficção e documental/real, entre arte e vida), uma das características centrais de sua filmografia.
# CÃO SEM DONO
Brasil, 2007
Direção: BETO BRANT, RENATO CIASCA
Roteiro: BETO BRANT, RENATO CIASCA, MARÇAL AQUINO
Produção: BIANCA VILLAR
Fotografia: TOCA SEABRA
Elenco: JULIO ANDRADE, TAINÁ MÜLLER
Duração: 82 minutos