Paris é um lugar insuportável, em Medos Privados em Lugares Públicos . Não há qualquer registro externo minimamente significativo da cidade e os poucos flashes captados por Alain Resnais, quando mostra as personagens entrando e saindo de ambientes diversos, não passam de assustadoras imagens de uma nevasca interminável. Trata-se de um filme de espaços fechados, uma opção, porém, que não visa unicamente a realçar a origem teatral do projeto (a peça homônima de Alan Ayckbourn).
O diretor prioriza espaços compartimentados, com divisórias bem definidas, que evidenciam personagens acostumadas a delimitar barreiras nos relacionamentos que travam. Personagens que avançam e recuam, impõem regras específicas para determinados jogos de sedução, interagem com certa desenvoltura no âmbito social e hesitam diante de uma abordagem mais íntima.
O maior mérito de Resnais reside na habilidade em relacionar o conceito espacial ao universo temático que aborda – lembrando um pouco, nesse sentido, o excelente e subestimado Conto da Primavera , de Eric Rohmer. E o cineasta também se destaca na maneira competente com que lida com as locações através de uma câmera que desponta como presença observadora em pelo menos uma seqüência: aquela na qual Lionel e Charlotte, dois entre os personagens que compõem a ciranda afetiva e doce-amarga do filme, conversam numa mesa de bar, perto do final da projeção.
Lionel, inclusive, lança uma questão importante, em dado momento: “Eu sou o que sou. O que podemos ser além do que somos?”. Ele parece estar certo em sua pergunta-constatação. Mas Resnais contrapõe verso e reverso, público e privado (como anuncia o título brasileiro para o original Coeurs ), sem, contudo, incorrer em maniqueísmos. É possível acreditar na devotada funcionária de um escritório de imobiliária que trabalha à noite como acompanhante e não só alterna como concilia o fervor religioso com a prática de fantasias sexuais. Ou no marido absolutamente apático que passa a agir sob o efeito de uma injeção de adrenalina a partir do instante em que conhece uma outra mulher. A credibilidade das personagens deve ainda ser creditada ao bom desempenho dos atores, em especial Pierre Arditi.
# MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS (COEURS.)
França, 2006
Direção: ALAIN RESNAIS
Roteiro: JEAN-MICHEL RIBES, da peça de ALAN AYCKBOURN "Private Fears in Public Places"
Fotografia: ERIC GAUTIER
Montagem: HERVÉ DE LUZE
Música: MARK SNOW
Direção de Arte: JEAN-MICHEL DUCOURTY
Elenco: SABINE AZÈMA, PIERRE ARDITI, ANDRÉ DUSSOLLIER, LAMBERT WILSON, LAURA MORANTE, ISABELLE CARRÉ
Duração: 120 minutos