Depois da música turca em Atravessando a Ponte, um novo documentário musical pretende sintetizar a alma de um país: O Último Bandoneón. Em breve, será a vez de Brasileirinho, tributo do finlandês-tapuia Mika Kaurismäki ao nosso chorinho.
A literatura pode dizer da cultura de um lugar, a pintura pode expressar o seu gosto, mas nenhuma arte se presta como a música a exprimir o mítico, o inefável que circula entre conterrâneos e apela à sensibilidade estrangeira. O Último Bandoneón quer fazer isso com o tango argentino. Consegue, mas não muito.
O diretor Alejandro Saderman é um argentino atuante na Venezuela, onde dirigiu alguns docs e os longas de ficção Golpes a Mi Puerta (1994) e Cien Años de Perdón (1998). Retornou às origens para rodar esse tributo aos velhos milongueros e aos jovens que mantêm viva a cultura tanguera. Entre esses dois extremos está o protagonista do filme, Rodolfo Mederos, discípulo e herdeiro de um bandoneón de Astor Piazzolla. Mederos é famoso por produzir a renovação do tango através de uma escola e da formação de orquestras jovens.
Para circular nesse meio, os co-roteiristas Saderman e Graciela Maglie criaram uma mescla de ficção e documentário em torno de uma success-story pouco convincente. A bandoneonista Marina Gayotto, que veio de Rosario para Buenos Aires atrás do seu sonho, interpreta a si própria entre o real e o ficcional. Toca em ônibus e numa banda de rock para sustentar a vida de mãe solteira. Faz um teste para a escola de Mederos e é instada a trocar seu instrumento defeituoso por um Doble A (da marca alemã Alfred Arnold), que a cada dez minutos alguém se encarrega de nomear “o stradivarius dos bandoneóns”.
A busca de Marina é que nos conduz, um tanto precariamente, por ensaios de orquestra, salões onde se dança o tango de pista como antigamente, hospitais de bandoneóns, uma sapataria especializada, um clube de velhos mestres bandoneonistas e até a casa de um japonês dedicado à compra e exportação de Doble-As. No percurso, ficamos sabendo de detalhes históricos e técnicos do tango, assim como ouvimos loas à sua internacionalização e críticas à sua espetacularização nos palcos. Mas sobretudo testemunhamos uma constante elegia ao gênero musical. Paixão, alma, sangue, culto são palavras pronunciadas à exaustão.
Entretanto, estamos longe de um filme Doble-A. O engajamento emocional fica prejudicado pela artificialidade dos contatos encenados entre Marina e Rodolfo, bem como deles com terceiros. Cenas inteiras, como os testes de Marina e um leilão, caem num fosso entre o falso documentário e a ficcionalização canhestra. Rodolfo Mederos, portenho até a medula, é elegante mas distante como personagem central. Marina, pouco expressiva, tampouco convence como integrante da Orquestra Típica (na verdade, ela integra a menos importante orquestra da escola de Fernando Taborda). Quem leva a melhor são personagens circunstanciais, como um casal de jovens dançarinos e os velhinhos do clube.
O filme exagera aqui e ali na edição veloz, mas fica especialmente envolvente quando monta as falas em meio a jorros de tango, fazendo com que a sonoridade do castellano argentino se converta também em música. Esse traço de linguagem audiovisual talvez cumpra melhor o objetivo do filme do que todo o seu painel de informações exposto em narrativa mal costurada.
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O ÚLTIMO BANDONEÓN (EL ÚLTIMO BANDONEÓN)
Argentina/Venezuela, 2006
Direção: ALEJANDRO SADERMAN
Roteiro: GRACIELA MAGLIE, ALEJANDRO SADERMAN
Fotografia: MIGUEL ABAL, FEDERICO GÓMEZ, EMILIANO LÓPEZ
Música original: RODOLFO MEDEROS
Montagem: MIGUEL PÉREZ
Elenco: RODOLFO MEDEROS, MARINA GAYOTTO
Duração: 90 minutos
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