Críticas


BUBBLE

De: EYTAN FOX
Com: OHAD KNOLLER, YOUSEF ‘JOE’ SWEID, DANIELA VIRTZER
17.08.2007
Por Luiz Fernando Gallego
INTOLERÂNCIAS

Em uma cena de Bubble um jovem homem palestino quer falar de sua relação amorosa para a irmã. Antes, ele havia deixado a sugestão de que estava com uma “amiga, cristã e divorciada”. Agora ele quer falar a verdade, mas se mostra um pouco hesitante. Ela o interrompe e diz: “Ela não é cristã? Ela é judia? Está parecendo aquelas novelas bregas da TV!”



As legendas foram feitas a partir da versão em inglês do roteiro de um filme que é falado em hebraico e em árabe. Considerando que a tradução das legendas em português está adequada ao que dizem os personagens e que o uso da expressão “novela brega” está correto, podemos supor que os roteiristas, ao colocarem esta frase na boca de uma personagem até então menos importante, parecem querer assumir que a história apresentada se aproxima de enredos novelescos com suas coincidências e lances dramáticos. No feitio de um amor “impossível” como o de Romeu e Julieta, filhos de famílias rivais. Ou entre amantes originados de grupos em conflito, como árabes e judeus. Se ainda por cima, em uma cultura homofóbica, a paixão surgir entre um ‘Romeu’ palestino e um outro ‘Romeu’ israelense...



Bubble, de Eytan Fox, chama a atenção pelos temas que aborda e até mesmo por problemas polêmicos que podem ser levantados quanto ao desenvolvimento do enredo. Ou seja: dificilmente deixará as platéias indiferentes e será sempre interessante, mesmo que se possa questionar a evolução da história narrada em alguns aspectos.



E são muitos os assuntos enfrentados: homofobia - especialmente no mundo árabe; atração homoerótica entre um judeu e um palestino; discriminação dos árabes pela política israelense em postos de ocupação para tentar evitar atentados terroristas; os atentados terroristas; a situação do conflito local que a cada momento parece mais insolúvel... Tudo isso, em uma suposta “bolha”: lugar pretensamente protegido da realidade adversa e ameaçadora (The Bubble ou Há-Buah do título original), como seria o apelido atual de Tel-Aviv, especialmente em um bairro fashion da cidade.



Ali, dividem um apartamento: ‘Lulu’, sempre frustrada com namorados que só querem transar e cair fora; Yali, que é gay; e Noan, que recentemente deu baixa de serviço militar em um posto de ocupação israelense. No prólogo, vemos que Noan não tolera muito bem os rigores de seus comandantes na fiscalização de árabes, temidos como ‘homens-bomba’ em potencial, pessoas que querem atravessar as novas “fronteiras”: ele se comove com a situação de uma mulher grávida que entra em trabalho de parto enquanto o exército investiga os passageiros do ônibus onde ela estava. Também está ali Ashraf, o palestino que pouco depois irá se aproximar de Noan, sendo plenamente correspondido.



Não falta ao roteiro escrito por Fox e seu parceiro, Gal Uchovsky, um pouco de proselitismo contra a homofobia, ao destacar relações de caráter fortemente afetivo entre gays, mais do que relacionamentos passageiros e descompromissados. Da mesma forma, há uma simpática adesão dos personagens (e do filme) a movimentos pacifistas de linhagem anti-fundamentalista, ainda que se demonstre como é difícil falar de “paz” em meio a um histórico antigo de tantas vidas ceifadas brutalmente em todos os lados de um conflito crônico.



Como evitar o proselitismo se a idéia é exatamente se manifestar contra preconceitos e ideologias arraigadas? Pode haver outras opções, mas o caminho escolhido pelos seus realizadores foi este mesmo. O filme busca uma comunicação fácil com o público através de atores eficientes e simpáticos, além de optar por uma narrativa tradicional direta que envolva o espectador, privilegiando aspectos românticos e até mesmo cômicos (na parte inicial) antes de radicalizar os lances conflitivos inerentes ao cenário de intolerância em que o filme acontece.



DAQUI EM DIANTE HAVERÁ COMENTÁRIOS QUE REVELAM FATOS DO ENREDO QUE PODEM NÃO SER DO INTERESSE DE QUEM AINDA NÃO VIU O FILME



Para o desenvolvimento dramático do filme, os roteiristas não vão ser nada sutis: um dos namorados “galinhas” de Lulu será quem vai colocar em risco a permanência ilegal do palestino em Tel-Aviv; por outro lado, ela conseguirá uma relação promissora com um rapaz, ou seja, dentro dos padrões heterossexuais. Já os personagens homossexuais não terão as mesmas perspectivas de Lulu, sendo que o futuro cunhado de Ashraf vai se revelar truculento e vingativo, ameaçando-o depois de descobrir sua condição sexual. O desenvolvimento trágico no finalzinho do filme pode ser experimentado como um corpo estranho por parte da platéia que tenha se deixado levar pelos lances de relativa comicidade e romantismo que vinham dominando o filme - e mesmo pelas cenas eróticas, muito mais intensas do que em Brokeback Mountain com a característica de sexo&amor afetuoso enfatizado - que é quase marca registrada de filmes sobre homossexuais que visam platéias maiores além dos GLS.



A questão maior ficaria por conta de uma breve reação inicial do personagem Yel ao namorado palestino de seu amigo Noan: ele acha que há algo estranho na situação de Ashraf mesmo quando não havia nada a temer – o que poderia ser preconceito de um judeu contra um árabe, ou – mais sugestivo ainda – um certo ciúmes (que vai ser explicitado) por Noan nunca ter tido um caso com ele, Yel. Isto não importaria tanto se, no desfecho, Ashraf não fizesse a opção que faz – o que traz o risco de um mau entendimento por parte de um público mais preconceituoso quanto a pessoas de etnia árabe: “mais cedo ou mais tarde...”



Por mais que os roteiristas estejam tentando demonstrar a “impossibilidade” do amor por um judeu no caso deste rapaz árabe, assim como a desistência a que um apaixonado pode ser levado por conta de tantas adversidades e intolerâncias, o lance final do enredo pode deixar uma certa ambigüidade no registro de alguns espectadores. Talvez os roteiristas tenham privilegiado a questão do sufoco causado pelo preconceito da homofobia sobre as intolerâncias étnico-políticas que o roteiro vinha mesclando em doses equivalentes - e até mesmo aproximando as duas questões. Ashraf faz o que faz, nem tanto por uma vingança pelo que sua família sofrera, mas porque não consegue ver mais nenhuma possibilidade de conviver com seu amado. O que não deixa de ser mesmo um tanto “novelesco”, com um discurso que lembra a letra da canção Somewhere, do final de West Side Story, uma já antiga versão “modernizada” de Romeu e Julieta.





# BUBBLE (HÁ-BUAH)

Israel/França, 2006

Direção: EYTAN FOX

Roteiro: EYTAN FOX e GAL UCHOVSKY

Fotografia: YARON SCHARF

Montagem: YOSEF GRUNFELD e YANIY RAIZ

Música: IVRI LIDER

Elenco: OHAD KNOLLER, YOUSEF ‘JOE’ SWEID, DANIELA VIRTZER, ALON FRIEDMAN

Duração: 117 minutos

Site oficial: clique aqui

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