À primeira vista, Cidade dos Homens – O Filme evidencia uma tensão entre a busca por autenticidade e a exposição de um determinado tratamento estético. O diretor Paulo Morelli procura recortar uma fatia da realidade, como se estivesse “apenas” fazendo um registro fiel, sem retoques, da vida nas favelas de uma cidade como o Rio de Janeiro. A perspectiva documental desponta de modo bastante evidente ao longo da projeção através de seqüências como as que mostram crianças sendo introduzidas no crime, bandidos invadindo comunidades rivais, carros sendo interceptados em vias expressas e a batida nervosa do baile funk. Para reforçar a veracidade da proposta, os atores ficam encarregados de sumir por trás de seus personagens, que devem parecer como pessoas diante do espectador.
Mas não é só o real que tem vez nessa transposição do seriado de televisão para a tela grande. Afinal, Morelli exibe seu cinema por meio de uma fotografia bastante evidente na utilização de recursos variados, como a textura granulada, o realce de luz e cores e a utilização de closes. Quando o cineasta economiza no artificialismo das imagens, extrai boas tomadas da favela (com alguma concessão ao clichê da panorâmica captada em plano aéreo) e, em especial, do conjunto habitacional onde mora o pai de Laranjinha.
Seja como for, o contraste entre captação do real e aposta numa estilização não é suficiente para sintetizar este filme, na medida em que Paulo Morelli reincide numa questão, talvez ética, semelhante a de Fernando Meirelles em Cidade de Deus – não por acaso, a matriz de Cidade dos Homens : a conjugação entre a documentação da realidade e a gramática do thriller. Os filmes de Morelli e Meirelles procuram descortinar um panorama sócio-econômico e, ao mesmo tempo, eletrizar os espectadores, valendo-se de recursos como ritmo ágil, montagem e edição (a cargo do mesmo Daniel Rezende de Cidade de Deus ).
Em Cidade dos Homens , particularmente, o cineasta abusa de flash-backs para explicar ao público lances da história. E, escorado na aclimatação de Medeia ao contexto brasileiro realizada por Chico Buarque e Paulo Pontes em Gota D’Água , Morelli assume um flerte com a tragédia grega numa referência direta à Antígona . A escolha não foi ocasional: se na tragédia de Sófocles Antígona não hesita em desobedecer ordens expressas de Creonte e enterrar seu irmão, Polinice, no filme, Laranjinha e Acerola são como irmãos que, mesmo diante de desavenças, acabam correndo os riscos necessários para se manter unidos.
# CIDADE DOS HOMENS – O FILME
Brasil, 2007
Direção: PAULO MORELLI
Roteiro: ELENA SOÁREZ
Produção: ANDRÉA BARATA RIBEIRO, FERNANDO MEIRELLES, BEL BERLINCK
Música: ANTÔNIO PINTO
Fotografia: ADRIANO GOLDMAN
Edição: DANIEL REZENDE
Elenco: DOUGLAS SILVA, DARLAN CUNHA, RODRIGO DOS SANTOS, LUCIANO VIDIGAL, JONATHAN HAAGENSEN
Duração: 108 minutos