Imagine que você foi convidado pela Maria Bethânia para participar de uma comemoração familiar dos seus 60 anos. Imagine que você aceitou e acompanhou-a nos bastidores de um show na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador. No dia do aniversário, você ficou juntinho dela e de Dona Canô na missa em Santo Amaro, compartilhando lágrimas e a audição de um Ofertório composto por Caetano para a ocasião.
Imagine que, meses depois, você viajou no banco traseiro de um carro de Salvador a Santo Amaro, ouvindo os manos jogarem lembranças fora. Passeou um pouco pelas ruas antigas da cidade, viu o rio e a cachoeira, comeu moqueca à mesa da família e, à noite, sentou-se à varanda para um delicioso sarau de mãe, filho e filha. Imagine que eles cantaram bonito, ao som do violão de Jaime Alem, algumas das músicas mais belas que esse país já viu nascer.
Não é mais nem menos o que Andrucha Waddington nos proporciona em Maria Bethânia – Pedrinha de Aruanda. É só o bastante para fazer um filme encantador.
Os criadores do cinema direto usavam a expressão “being there” (estar lá) para definir a sensação almejada com seu aparato transparente de documentar. Eles queriam levar o espectador não a ouvir relatos sobre um acontecimento, mas a ter a sensação de presenciá-los. Nenhuma narração, nenhuma entrevista, nada que não se passasse mais ou menos espontaneamente diante da câmera. Pedrinha não conta nem explica nada. Apenas nos transporta. Pronto, fomos convidados.
Nada além de um filme doméstico de luxo, mas como agrada. Principalmente porque tudo soa muito íntimo e singelo, sem aquela cara de “produto” que afeta projetos similares. O encanto não vem de uma forma buscada ou rebuscada, mas do que a forma simples carrega dentro e aquece o coração.
E a estrela, afinal, não é Bethânia nem Caetano. É Dona Canô, suave estrela da vida inteira que domina o filme. Seja falando da filha (“Quando ela era pequena, ninguém gostava da sua voz grossa”), seja cantando Chuá-Chuá ou Tristeza do Jeca (“Música velha é que é bonita”). Seja ouvindo com olhar perdido, seja se emperequetando para a festa ou abençoando a equipe de filmagem. Dona Canô bem de perto.
O filme está sendo lançado quando ela completa 100 anos. É o filme dela. Daqui a pouco sai em DVD, junto com Bethânia Bem de Perto, o curta que Eduardo Escorel e Julio Bressane fizeram há 40 anos, influenciados justamente pelo cinema direto. São tantos aniversários juntos que dá vontade de cantar.
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MARIA BETHÂNIA – PEDRINHA DE ARUANDA
Brasil, 2006
Direção: ANDRUCHA WADDINGTON
Roteiro: MARIA BETHÂNIA, ANDRUCHA WADDINGTON, SERGIO MEKLER
Fotografia: RICARDO DELLA ROSA, FLÁVIO ZANGRANDI, DUDU MIRANDA, FABIO SAGATIO
Montagem: SERGIO MEKLER, QUITO RIBEIRO
Som direto: CARLO BARTOLINI, RICARDO ORTEGA
Elenco: MARIA BETHÂNIA, DONA CANÔ, CAETANO VELOS, JAIME ALEM
Duração: 61 minutos