Críticas


SOL, O

De: ALEXANDER SOKUROV
Com: ISSEI OGATA, ROBERT DAWNSON, KAORI MOMOI, SHIRÔ SANO
29.06.2008
Por Luiz Fernando Gallego
O ÚLTIMO IMPERADOR-DEUS

OBS: O texto abaixo foi escrito quando de sua exibição na Festival do Rio 2007.



O espectador que não tem familiaridade com os filmes de Alexander Sokurov pode supor que o ritmo lento de O Sol corresponde ao modus vivendi do personagem central, o Imperador Hirohito. Não só pela idéia que se tem das culturas orientais (como a do Japão antes da ocidentalização), com tendência mais meditativa do que pragmática, mas também pela própria personalidade que é apresentada do “Filho do Sol”, tal como eram considerados os imperadores japoneses: deuses tidos como muito acima do comum dos mortais.



O desfecho da II Guerra Mundial, após Hiroshima e Nagasaki, veio retirar Hirohito deste pedestal virtual: nem sua voz era conhecida pelo povo até ele fazer, através do rádio, o pronunciamento de capitulação frente às forças armadas americanas.



Com colaboração de um excepcional desempenho de Issei Ogata, Sokurov mostra que o isolamento do imperador não se limitava ao bunker onde estava protegido no final da guerra, mantendo uma rotina muito mais alienada do que participativa, não abandonando nem mesmo o hobby de examinar espécimes marítimos enquanto o mundo explodia lá fora.



A chegada do General MacArthur para negociar a rendição japonesa vai expor Hirohito ao mundo externo real, sendo, então, compelido a ver os efeitos da destruição bélica sobre seu país, além de ter que, prosaicamente, fazer coisas como abrir uma porta – tarefa que lhe era mais estranha do que falar as inúmeras línguas que lhe foram ensinadas. Afinal, sempre tivera quem lhe abrisse as portas, o vestisse, sendo cuidado como uma eterna criança mal adultizada. Este é o aspecto mais interessante do filme, quase que uma versão minimalista de outro monarca em situação de perda de prestígio ou posição: o Último Imperador (da China), filmado por Bertolucci há mais de uma década.



A opção de centrar o foco em Hirohito parece ter deixado de fora o que poderia ter sido um gancho dramático bem atraente: o confronto entre o monarca oriental, tido como uma deidade em sua cultura, e o militar americano com o poderio concreto dos vitoriosos. O encontro entre os dois é rico na demonstração da desadaptação de um, mas quase sem ênfase no choque de culturas e procedimentos destes dois homens tão diferentes em um grave momento histórico. Isto deve ser debitado à opção do cineasta russo que, com este filme, prossegue em seu projeto de retratar personalidades históricas como Hitler (em Moloch, de 1999) e Lênin (em Taurus, de 2001) através de abordagens intimistas, com alguma liberdade ficcional. Todos estes filmes são fortemente centrados nos protagonistas em situação de poder excepcional, ainda que em um momento de derrota, como no caso de Hitler em Moloch e, agora, de Hirohito neste O Sol



Além de ser o mais bem sucedido dos três, este filme também se mostra como uma recuperação de Sokurov, dois anos depois de sua obra de ficção anterior, Pai e Filho, de 2003. Neste, o esteticismo do cineasta se diluía em um enredo ambíguo e inconsistente, exacerbando os pontos mais fracos de seu “estilo” com um resultado lamentável. Se O Sol se mostra infinitamente mais satisfatório do que Pai e Filho - e mesmo do que os outros desta trilogia (que ainda pretenderia ser uma tetralogia) - é porque aqui, o requinte visual (ele também fotografa seus filmes, este em admiráveis tons de sépia) e a lentidão de ritmo habitual encaixam adequadamente com o roteiro, o personagem, a situação e o que se queria demonstrar. Mesmo assim, a fidelidade do cineasta às suas obsessões formais limita - em parte - os resultados ainda melhores que o filme insinua ter tido potencialmente em seu bojo.



Fica a impresão de que Sokurov possa ter alguma identidade com a situação do Imperador-Deus e “Sol” aprisionado em sua torre de marfim (ou em um luxuoso bunker). Mas quem sabe, um dia, o cineasta também poderá renunciar parcialmente à grandiosidade narcísica da linguagem encastelada de filmes com suas obsessões de "estilo" para efetivar todo o seu potencial criativo que nem sempre se realiza?



# O SOL (SOLNTSE)

Rússia/Itália/França/Suíça, 2005

Direção e Fotografia: ALEXANDER SOKUROV

Roteiro: YURI ARABOV e JEREMY NOBLE

Música: ANDREI SIGLE (música original). Excertos de Wagner (“Crepúsculo dos Deuses”) e Bach (Sarabanda da Suíte 5 para Violoncelo).

Elenco: ISSEI OGATA, ROBERT DAWNSON, KAORI MOMOI, SHIRÔ SANO.

Duração: 110 minutos



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