Críticas


ESTÔMAGO

De: MARCOS JORGE
Com: JOÃO MIGUEL, BABU SANTANA, FABIULA NASCIMENTO
15.04.2008
Por Marcelo Janot
BANQUETE DE HUMOR INTELIGENTE

Há quem diga que Estômago, de Marcos Jorge, é o Cheiro do Ralo de 2008. O que isso significa? Aquele filme do qual pouca gente tinha ouvido falar, feito por um diretor desconhecido, e que acaba se tornando a grande surpresa positiva da temporada. Mas Estômago é melhor que O Cheiro do Ralo. Há muito tempo o cinema nacional não conseguia produzir um filme com vocação para o entretenimento tão inteligente.



Não há, em Estômago, os cacoetes de cinema independente/cult que incomodaram parte da crítica em O Cheiro do Ralo, como personagens bizarros que tomam injustificáveis atitudes bizarras para, junto com uma suposta estética publicitária, buscar a adesão da platéia. A história é tão simples quanto singela. Raimundo Nonato (João Miguel) é um retirante nordestino que, chegando em São Paulo, arruma emprego na cozinha de um botequim pé-sujo do Centro, freqüentado por prostitutas. Seu talento para a culinária é logo descoberto pelo dono de um restaurante vizinho, que o contrata e o ensina a enxergar a comida como arte. Paralelamente, o filme mostra Nonato na cadeia, onde divide a cela com outros cinco presos. Quando o temido Bujiú (Babu Santana), o dono do pedaço, descobre seus dotes culinários, ele começa a ganhar status entre os colegas de cela.



O espectador acompanha as duas ações transcorrendo alternadamente, mas não sabe porque Nonato foi parar na cadeia. Deduz apenas que as cenas na prisão retratam o tempo presente, ou seja, o que aquele sujeito puro e de boa índole fez para motivar seu encarceramento só vai ser revelado no final, quando as duas histórias forem concluídas.



Mas o suspense é o que menos importa. O que fascina é a forma como o filme nos faz compartilhar com Nonato a sua descoberta de um mundo que é totalmente novo para ele, mas velho para quem sabe que o gorgonzola não é um queijo estragado e que o vinho deve ficar deitado na adega. Há uma porção de piadas e situações recorrentes que nos fazem rir como se estivéssemos sendo apresentados a elas naquele momento, e isso se deve a um roteiro que utliza primorosamente a palavra como escada do gesto. Por exemplo: Nonato escuta muito, e suas reações aos interlocutores, seja com um olhar ou com pequenas interjeições, com seu jeito de falar, é que provocam o riso imediato.



Em grande parte, isso se deve ao talento de João Miguel, que depois de desempenhos elogiados em Cinema, Aspirinas e Urubus e O Céu de Suely, agora tem tudo para sair do gueto e trilhar o caminho de Wagner Moura e Lázaro Ramos. Sua atuação é magnífica, com um timing perfeito para a comédia. Babu Santana é outro ator cômico de mão cheia, e Fabiula Nascimento, que interpreta a prostituta Íria, uma grata revelação.



Estômago é o segundo longa-metragem do diretor curitibano Marcos Jorge – o outro é Corpos Celestes, co-dirigido com Fernando Severo, que está pronto mas ainda aguarda definição de lançamento. O filme foi feito em regime de co-produção com a Itália, o que talvez justifique a quantidade de referências à cultura italiana. Nonato vai trabalhar num restaurante italiano que se chama Boccaccio 70, título de um filme italiano em episódios dirigido por De Sica, Monicceli, Visconti e Fellini. Não é mera coincidência. Há uma atmosfera felliniana que permeia a narrativa, explicitada na personagem Íria, a prostituta glutona.



Pode-se questionar o estranhamento provocado por súbitas mudanças de registro ao longo do filme, em vários momentos, sobretudo quando imagens de preparo de comida surgem em câmera lenta, acompanhadas de música suave, num clima quase onírico. Num filme cheio de referências italianas, isso parece nada mais do que uma bela homenagem ao cinema de Sergio Leone e seus heróis-forasteiros, simples e de soluções engenhosas. O que alguns podem interpretar como a tal da “estética publicitária” soa, isto sim, como uma citação dos flashbacks oníricos que percorrem a obra de Leone, em especial as lembranças de James Coburn na obra-prima Quando Explode a Vingança, retratadas em câmera lenta e com a música suave de Enio Morricone, que contrasta genialmente com o restante do filme.



Estômago provavelmente não será unanimidade. Os rabugentos de sempre irão reclamar que a cadeia é limpinha demais, ou que se ri do estereótipo do imigrante nordestino. Ora, Estômago não é tratado sociológico e nem levanta discussões éticas/ideológicas. O único deslize ligeiro é estético, um desnecessário close de um pedaço de carne humana, numa cena perto do final, que poderia ter sido apenas sugerido ao invés de mostrado. Mas que de forma alguma compromete o resultado deste belíssimo filme que sacia nossa fome de diversão inteligente.



# ESTÔMAGO

Brasil/Itália, 2007

Direção:MARCOS JORGE

Roteiro:CLAUDIA DA NATIVIDADE, MARCOS JORGE, LUSA SILVESTRE

Fotografia:TOCA SEABRA

Elenco:JOÃO MIGUEL, BABU SANTANA, FABIULA NASCIMENTO, CARLO BRIANI, PAULO MIKLOS, JEAN-PIERRE NOHER

Duração:111 min.

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