Críticas


FESTIVAL DO RIO 2007: O OUTRO

De: ARIEL ROTTER
Com: JULIO CHÁVEZ, OSVALDO BONET, MARÍA ONETO, MARÍA UCEDO, INÉS MOLINA, ARTURO GOETZ.
04.10.2007
Por Luiz Fernando Gallego
UM HOMEM COMUM COM ATITUDES INCOMUNS

Juan recebe sua primeira receita de óculos após um exame de vista. A oftalmologista, talvez para acentuar uma postura profissional, talvez como uma espécie de private joke, pergunta seus dados pessoais - nome, idade (45), profissão (advogado), estado civil (casado), número de telefone - cujas respostas ela já conhece: é sua esposa. Fala sobre o atraso menstrual: está grávida.



Juan cuida de seu pai idoso e adoentado que só aceita que o filho lhe dê banho. Ao voltar para casa, encontra a mulher dormindo e fica olhando para o ventre dela, ainda sem sinais evidentes de crescimento.



Vai da capital para uma cidade interiorana, a trabalho. Visita um sítio cujo casal proprietário morreu sem deixar filhos. Juan vai resolver questões legais de posse do imóvel junto ao cartório local. No sítio, olha atentamente os sinais de uma vida inteira ali, de duas pessoas que não vivem mais. O colchão de casal está afundado onde cada um dormia. Retratos. Cartas.



Antes, na viagem de ônibus, Juan adormecera e, ao despertar, descobriu que todos já haviam descido, exceto ele e o passageiro ao seu lado que aparenta estar – mas não está - dormindo: o sujeito havia morrido durante a viagem enquanto dormia. Juan adia sua volta a Buenos Aires e por duas vezes vai ao velório do passageiro que morrera.



O primeiro hotel em que se registra se chama “Hotel dos Passageiros” (ou um nome semelhante) que remete ao título do filme de Antonioni, The Passenger, onde o personagem de Jack Nicholson adota outra identidade em um quarto de hotel quando descobre morto um companheiro eventual de viagem). Juan muda de hotel. Em ambos se repetem perguntas semelhantes às que sua esposa e oftalmologista lhe fizera: nome, idade, profissão, estado civil. Mas a cada vez, Juan dá um nome diferente, de pessoas mortas: do homem ao seu lado no ônibus, do dono do sítio que visitara.



No Festival de Berlim 2007, O Outro recebeu o Prêmio Especial do Júri e de Melhor Ator para Julio Chávez - que foi visto recentemente em nossas telas em O Guardião em admirável interpretação. Nestes dois papéis de homens introspectivos e de poucas palavras, Chávez trabalha especialmente com a expressão facial, instigando a platéia a pensar o que o personagem estaria pensando (e sentindo). É um grande ator para planos fechados sobre seu rosto que consegue transmitir uma vivência de “indiferença” ao mesmo tempo em que desperta empatia do espectador.



Mas nem sempre será fácil para a platéia entender porque Juan experimenta outros nomes (e de mortos) como uma espécie de “des-identificação” de si mesmo. O retorno à casa e aos cuidados do seu pai vão deixar como sugestão mais forte a dificuldade deste homem já nem tão jovem em experimentar o que parece ser sua primeira paternidade.



O tema da maternidade é bastante discutido quando se fala de psicologia feminina, na vida em geral e na ficção. Nem tantas vezes se discute o que se passa no universo masculino com respeito à paternidade. Há o clichê de satisfação por ser capaz de procriar (potência de gerar um filho) e distribuir charutos (símbolos fálicos, exceto os que o próprio Freud fumava - segundo ele mesmo. Afinal, “o rabino pode”).



Fala-se menos da compensação narcísica de sobreviver através da descendência – e neste sentido, o filme é óbvio nas alusões à morte, à morte sem deixar filhos, à morte inesperada - além da decrepitude do velho pai de Juan. Ainda por cima, ao se dizer “médico” em uma de suas apresentações, Juan será forçado a atender uma velha senhora em parada cardíaca. Algumas vezes, os jogos que estabelece vão longe demais, como em uma caminhada por estrada à noite em meio ao maior breu - e nesta situação de ansiedade ao ter que enfrentar uma situação de urgência que não tem nada a ver com sua real profissão



O que Juan faz, mudando de hotel e dando um nome diferente para cada novo contacto, é um retrato cortante de uma espécie de “surto” em alguém que não é absolutamente um louco, mas que está em franca crise de meia-idade, talvez experimentando a paternidade como perda da posição de “filho” e com o vislumbre de um novo papel, o de “pai”. E mais: a perspectiva do envelhecimento e – pela famosa, mas nem sempre, “ordem natural das coisas” – da morte antes da morte dos filhos.



O filme não quer ser claro nas motivações do personagem em contacto com “o outro” que ainda vai nascer e nas novas identidades de “outros” que Juan assume e abandona seguidamente. Para a psicanálise, a paternidade e a relação de um pai com um filho do mesmo sexo reativaria os conflitos que o novo pai teve com o seu próprio, ainda que esteja agora em um novo papel "do outro lado" - ou por causa disso mesmo. Juan parece ser um filho extremamente dedicado a um pai que – de certa forma – o solicita demais: não pede ajuda à acompanhante para se levantar, cai no chão, machuca-se - e só toma banho com ajuda do filho. Aprisiona por carência. Não há conflitos aparentes. Mas Juan parece estar assustado com a futura situação de ser pai. Ele não fala nem manifesta isto em seu semblante crítpico, mas suas atitudes, bastante inusitadas para um advogado que parece ser um homem sério e maduro, mostram que ele entrou mesmo em crise neste momento de sua vida.



O segundo filme de Ariel Rotter não facilita nada para o público em geral: não tem trilha musical, mantém um clima de estranheza (quase, ao longe, de sonho)... Mas não explica nada de forma óbvia e pode mesmo soar frustrante. Carece de alguma reflexão para poder ser apreciado em alguns aspectos. Talvez seja um tanto radical nesta proposta. Mas, ainda que possa decepcionar quem espera um final conclusivo e explicativo, mantém o interesse e a curiosidade sobre este homem tão comum em atitudes tão incomuns. A fotografia, a ambientação e narrativa elegante, com a participação decisiva da interpretação enigmática e ao mesmo tempo atraente do ator principal, certamente contribuem para ser visto de forma mais favorável. Ainda assim, muitas elipses e um olhar excessivamente “de fora” por parte do diretor e roteirista afasta o público do que poderia ser mais desenvolvido e aprofundado como indagação pouco habitual sobre certas angústias inerentes ao sexo masculino.



# O OUTRO (EL OTRO.)

Argentina/França/Alemanha, 2007

Direção e Roteiro: ARIEL ROTTER

Fotografia: MARECELO LAVINTMAN

Montagem: ELIANE KATZ

Direção de Arte AILI CHEN

Elenco: JULIO CHÁVEZ, OSVALDO BONET, MARÍA ONETO, MARÍA UCEDO, INÉS MOLINA, ARTURO GOETZ.

Duração: 83 minutos







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