Lina Chamie transporta para a tela a pulsação de São Paulo na hora do rush, marcada por uma música composta pela sobreposição de buzinas, freadas e sirenes de ambulâncias. Mas A Via Láctea não é um filme de terror. A diretora conta uma história de amor passional entre Heitor e Júlia, personagens que fazem parte do grande organismo da cidade pela qual a diretora parece fortemente vinculada.
Até porque há mais de uma São Paulo em A Via Láctea . Afinal, em meio ao caos urbano, está o Oficina, teatro dionisíaco de José Celso Martinez Corrêa, onde Heitor, outro intelectual que perde o controle interpretado por Marco Ricca logo após o crítico de teatro de Crime delicado , é devorado pelas bacantes. Além disso, as constantes citações a Mario de Andrade e Manoel Bandeira evocam a cidade num outro tempo.
No entanto, apesar de São Paulo estimular Lina Chamie (e outros diretores em trabalhos recentes, como Tata Amaral, Philippe Barcinski e Carlos Alberto Riccelli) e dos personagens gravitarem, não por acaso, em torno de um bairro chamado Paraíso, A Via Láctea não é um filme sobre a cidade. Lina mostra, isto sim, a conexão entre os espaços externo e interno (“O motorista não deve enveredar por esse caminho”, recomendam no rádio), a sobreposição desordenada de fragmentos de um relacionamento, a dificuldade (ou impossibilidade) de superar obstáculos que aparecem a todo momento no meio do caminho ou “tão-somente” a solidão, às vezes tão dilacerante quanto a de Othello, protagonista shakespeariano, enredado em seu próprio ciúme, e da cadela Laika, condenada a orbitar a Terra a bordo de um foguete, lembrada anteriormente por Lasse Hallström em Minha vida de cachorro .
# A VIA LÁCTEA
Brasil, 2007
Direção: LINA CHAMIE
Roteiro: ALEKSEI ABIB, LINA CHAMIE
Fotografia: KÁTIA COELHO
Montagem: ANDRÉ FINOTTI
Música: MIGUEL ÁLVAREZ FERNÁNDEZ
Elenco: MARCO RICCA, ALICE BRAGA, FERNANDO ALVES PINTO
Duração: 88 minutos