O documentário se chama Grupo Corpo 30 Anos ¬– Uma Família Brasileira. Mas na verdade são duas famílias que se encontram nesse filme sobre a trajetória e o processo de criação do Grupo Corpo. Na frente das lentes, os Pederneiras, toda uma geração de irmãos dedicados à dança a partir da vocação irrefreável de Rodrigo, o mais consagrado coreógrafo brasileiro. Por trás das câmeras, os Barreto, três gerações dedicadas ao cinema.
A família, porém, não está no foco, mas somente na liga que une cada um dos dois grupos em torno de projetos comuns. A mineira Lucy Barreto conta que embalou por muito tempo o sonho de documentar o trabalho do Corpo, que sempre acompanhou de perto. Por ocasião do 30º aniversário do grupo, em 2006, ela enfim assumiu a função de “diretora geral” e dividiu o trabalho com o filho Fábio e Marcelo Santiago. O material de divulgação do filme enfatiza seguidamente a ascendência de Lucy sobre os diretores – o que denota, para além de alguma veleidade matriarcal, o engajamento pessoal de alguém que sempre se ocupou dos bastidores da produção.
Os Pederneiras, por sua vez, mostram-se como uma família bastante formalizada, profissionalíssima, respeitosa de sua divisão de funções. Uma “tradicional família mineira”, como reconhece a mãe da turma. Do encontro dessas duas famílias muito especiais nasce um filme que dificilmente daria errado. Um pas-de-deux familiar harmonioso.
Os primeiros minutos soam como um trailer. Em seguida, os depoimentos vão ficando um pouco mais longos, as cenas de dança vão trocando o fragmento rápido pelas seqüências mais extensas. Assim como Rodrigo conta a respeito da sua linguagem de movimentos, o filme também parece procurar aos poucos o seu “vocabulário”. Percebemos, então, que o eixo principal é constituído pelo espetáculo Onkotô (2005), visto desde a criação pontual básica aos ensaios e à soberba apresentação no Palácio das Artes de Belo Horizonte.
Em torno dessa obra-celebração, com música (lindíssima) especialmente composta por Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, o doc se organiza para relatar a evolução do grupo; o surgimento de um conceito de balé que incorporasse a ginga e a sensualidade brasileiras; as idéias sobre formação clássica, cenografia, busca de ritmos internos das músicas etc.
Não há interesse em devassar a intimidade da companhia. Nem a intenção de equiparar-se cinematograficamente à exuberância de sua dança. Traduzindo: não tem Carlos Saura por aqui. Mas essa discrição funcional deve ser vista como virtude, uma vez que as estrelas filmadas já dispõem de seu brilho próprio. É reconfortante, por exemplo, ver uma montagem que valoriza os movimentos coreográficos em vez de concorrer com eles para mostrar serviço.
Mesmo sendo parcimonioso na exaltação de um triunfo brasileiro na cena internacional, o filme não deixa, contudo, de despertar nosso orgulho através da simples exposição do que o Corpo é capaz de fazer no palco. Resta torcer para que o futuro DVD traga a íntegra da gravação do inacreditável Onkotô.
GRUPO CORPO 30 ANOS – UMA FAMÍLIA BRASILEIRA
Brasil, 2007
Direção geral: LUCY BARRETO
Direção: FÁBIO BARRETO, MARCELO SANTIAGO
Fotografia: DUDU MIRANDA
Montagem: ANDRÉ RANGEL
Som direto: BRUNO ESPÍRITO SANTO, GUSTAVO CAMPOS
Duração: 78 minutos