Críticas


CRIMES DE AUTOR

De: CLAUDE LELOUCH
Com: DOMINIQUE PINON, FANNY ARDANT, AUDREY DANA
17.11.2007
Por Carlos Alberto Mattos
A REAPARIÇÃO DE LELOUCH

Nos últimos anos, Claude Lelouch desapareceu. Melhor dizendo, viveu um certo ostracismo, alijado dos sistemas dominantes no cinema francês e enfrentando os fracassos sucessivos de sua pretensiosa e inacabada trilogia sobre o Gênero Humano (Les Parisiens, Le Courage d’Aimer).



De alguma maneira, o cineasta reverte essa situação em tema de Crimes de Autor, 40º filme de uma carreira que inclui os megasucessos Um Homem, Uma Mulher, Viver por Viver e Retratos da Vida. Lelouch sempre correu à margem da pista da Nouvelle Vague e seus herdeiros, preferindo a via do entretenimento mais franco e a avenida bem pavimentada do cinema de gênero. Acabou virando, ao mesmo tempo, uma espécie de marginal e o cineasta mais popular da França (isto segundo uma enquete de 1989).



Crimes de Autor gira em torno de “desaparecimentos” e reaparições, gente que se faz passar por outra, pessoas que gostariam de mudar de vida. Não é um fenômeno tão incomum assim. Afinal, ninguém está completamente satisfeito com o seu lugar no mundo. O próprio Lelouch encobriu sua identidade sob o pseudônimo de Hervé Picard enquanto rodava o filme. Mais que a alegada estratégia para fugir de pressões da mídia e das finanças, ele estava certamente homenageando os escritores-fantasmas que produzem para outros levarem a fama, ou apenas vendem seu talento narrativo para pulp fiction assinada por pseudônimos.



O título original, Roman de Gare (significando “romance de bar de estrada”), é também uma homenagem a Romain Gary (nascido Roman Kacev) , o aviador, diplomata e escritor que assinou diversos livros com os pseudônimos de Émile Ajar, Fosco Sinibaldi e Shatan Bogat. Logo, estamos no terreno da intertextualidade, que se presta muito bem à engenhosa trama construída por Lelouch.



Ela é tão engenhosa que não se pode contar quase nada sob pena de estragar o prazer do espectador. Basta dizer que envolve uma célebre escritora de best-sellers, um ghost-writer, um serial killer foragido da prisão e uma cabeleireira mitômana com um segredo. A insatisfação de cada um com seu papel os leva a uma montanha-russa de comédia, suspense, romance e fantasias literárias. O senso de humor de Lelouch ora assume um tom hitchcockiano, como na hilariante visita da cabeleireira a sua família com um falso noivo a tiracolo; ora joga farpas na banalização da literatura confessional; ora cria ambigüidades saborosas como mixar a voz do cantor Gilbert Bécaud com guinchos de um porco sendo abatido.



O misto de respeito e sátira às regras de gênero e às referências da cultura popular francesa espalhadas pelo filme dá a Crimes de Autor uma graça peculiar. Somem-se a isso algumas auto-referências, como a escapada automobilística no início do filme, que evoca o curta C’était um Rendez-vous, de 1976. É um filme pequeno – embora não “menor” -, produzido e distribuído pelo próprio diretor. A fotografia não é lá muito cuidada e algumas resoluções finais parecem menos buriladas. Mas pode trazer Lelouch de novo à tona, recuperando sua imagem de petulante e envolvente contador de histórias.





CRIMES DE AUTOR (ROMAN DE GARE)

França, 2007

Direção: CLAUDE LELOUCH

Roteiro: CLAUDE LELOUCH, PIERRE UYTTERHOEVEN

Fotografia: GÉRARD DE BATTISTA

Montagem: CHARLOTTE LECOEUR, STÉPHANE MAZALAIGUE

Elenco: DOMINIQUE PINON, FANNY ARDANT, AUDREY DANA, MICHÈLE BERNIER

Duração: 103 minutos

Site oficial: clique aqui





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