Críticas


AMOR JOVEM, UM

De: ETHAN HAWKE
Com: MARK WEBBER, CATALINA SANDINO MORENO, ETHAN HAWKE.
21.12.2007
Por Luiz Fernando Gallego
NOIVO NERVOSO, NOIVA NEURÓTICA

Homens já se deixaram destruir ao se apaixonarem por "mulheres fatais", sedutoras que os rejeitam. O cinema é pródigo neste tema desde que o Professor Unrat, em 1930, ficou de quatro por ‘Lola Lola’ na pele de Marlene Dietrich em O Anjo Azul, de Von Sternberg. Várias estrelas da tela encarnaram caminhos perigosos e chaves de cadeia para machos abobalhados pela beleza e atração do sexo oposto. Mas como diz a letra de Cole Porter, “o que é esta coisa chamada ‘amor’?” E mais: “Por que nos faz de bobos?” Bobos e até mesmo assassinos violentos que dizem ter matado “por amor”. Bem, depende do que se entenda por esta palavra-ônibus onde cabe quase tudo – sem que se saiba, afinal, do que trata “exatamente”. O amor não é mesmo nada exato. Em uma de suas boutades, Lacan disse que “é querer dar algo que não se tem para alguém que não quer receber” – o caso deste filme, Um Amor Jovem.



Poucas vezes, entretanto, o cinema mostrou tão cruamente o surgimento (freqüente e banal – e quase gratuito) de um intenso enamoramento radical por parte de um jovem homem por moça nem acachapantemente bela e nem tão sensual - e que apenas não está tão interessada nele como ele está caidinho por ela. Engraçadinha, sim; bonitinha, talvez; até mesmo um pouco sem sal (apesar da origem latina, estereótipo de erotismo caliente colocado em cheque). Mas é essa armadilha amorosa que prende ‘William’ no segundo longa-metragem dirigido pelo ator Ethan Hawke, também responsável pelo romance original, The Hottest State. O título original (do livro e do filme) faz alusão ao estado de ânimo apaixonado no mais alto grau e também ao estado da união de origem do protagonista: o Texas de seus pais, especialmente “do pai” (interpretado por Hawke) que lhe diz platitudes que “grudaram” no filho; o rapaz se veste em estilo texano bem brega em plena NY. E uma das melhores cenas do filme será do não-acerto de contas entre pai e filho, com implacáveis críticas do rapaz às desculpas e justificativas do outro pelo que não deu certo entre eles.



A moça idealizada é ‘Sarah’ (vivida por Catalina Sandino Moreno) - e com alguma lucidez (talvez) ela tenta dizer para ele que não é nada ‘especial’ como ele considera. Mas vá explicar a um apaixonado que “assim é” apenas “se lhe parece”...



Entretanto, o comportamento e atitudes da garota são ambivalentes, ora negando-se à transa sexual, ora parecendo encantada com a corte e até tomando a iniciativa de propor casamento – do qual ele não fugiria como outros tantos conquistadores de namoros eternos, mas longe de altares.



Resistir a tamanha adoração quem há de? O narcisismo pode adorar se ver como objeto de adoração alheia que alimenta o auto-endeusamento...



Os desencontros amorosos de William e Sarah se constituem no ângulo mais curioso deste filme. Poucas vezes foram tão bem retratados os que já ficaram (muito) ensandecidos por se apaixonarem (obcecadamente) por pessoas que se negam (nem obrigatoriamente do gênero femme fatale, apenas não querendo embarcar na mesma canoa do outro que se encontra em verdadeiro estado alterado de idolatria).



Ver ou rever isto na tela pode até mesmo desagradar os sofredores de dores de cotovelo, antigas ou atuais, ao se verem retratados no chamado "ridículo da vida": ‘William’ vai da tolice romântica à agressividade (ainda que moderada, já que ele é apresentado como um cara mais ‘sensível’ do que seriam os outros homens - talvez o que seja outro estereótipo a ser reavaliado, o de macho-conquistador-e-indiferente ao apego feminino). O clichê de “moça arrasada porque abandonada e desamada” é invertido, abordando uma realidade mais comum do que o que corre pelo imaginário e pelo senso comum sobre relações homem-mulher. Lembrem todos: homem quando fica louco de amor, fica mesmo muito louco!



Mas o ator-escritor-roteirista-diretor Ethan Hawke está tão (ou talvez mais) preocupado em mostrar as possíveis origens do temperamento – afinal, carente – do até então pegador ‘William’. É aí que aparecem recorrentemente os pais do garotão (Laura Linney faz a mãe), havendo também alguma chance para a mãe da ambígua garota que se mostra um tanto neurótica na idéia fixa do tipo “vim para NY para ficar sozinha”. A indigesta madre latina é vivida de modo adequadamente insuportável por nossa Sonia Braga, o que talvez pretenda “explicar” o medo de relações afetivas que ‘Sarah’ parece ter. Segundo Freud, seja qual for nosso sexo, é com os carinhos maternos que aprendemos e apreendemos o amor terno (e - por que não? - também o sensual-sensorial). Aquela mãe é de desestimular qualquer filha ou filho que viesse a ser amorosa(o) algum dia... O roteiro ainda se preocupa em falar de um namoro infeliz anterior da moça, assim como enfatiza que ‘William’ também já deu muitos foras em várias garotas, sempre “saindo por cima” de relacionamentos antigos - como se agora estivesse experimentando o outro lado do desencontro amoroso.



Há um certo “excesso” de informações sobre “causas”, assim como muitos impasses nas idas e vindas do namoro do casal central, o que pode não agradar a alguns espectadores, embora a verossimilhança destas “banalidades” das vidas de tantas pessoas possa manter a atenção de outros. De qualquer forma, uma metragem um pouco menor, certamente favoreceria o filme; assim como uma maior sutileza de enfoque do que parece ser um “exorcismo” de Hawke em relação aos seus próprios fantasmas familiares. Não há psicanalista - ou mesmo gente informada sobre possíveis mecanismos de “elaboração” de antigas frustrações - que não perceba a tentativa do autor em re-unir o que seriam (ao que parece) seus próprios “pais internos” através dos pais de ‘William’. Para que ambos, diretor e seu personagem, possam conviver melhor com as limitações que os pais tinham e as vicissitudes em que quase sempre todos incorrem quando as famílias se desfazem. Um letreiro surge na tela dizendo algo como “Nunca é tarde para se viver uma infância feliz”. Hawke parece estar deitando no divã de sua escrita catártica.



Algumas questões: a atriz que faz a mãe jovem de William lembra Laura Lynn, mas o “pai” jovem é muito diferente de Ethan Hawke e não favorece em nada a identificação dos dois atores como o mesmo personagem em momentos diferentes. Mais impertinente é o uso excessivo de filtros que fazem a fotografia de cenas no Texas (e no México) em tons excessivamente “quentes”, talvez para contrastar com as cenas em branco de neve em Connecticut, onde mora a mãe de ‘Sarah’ (frieza?). E há escuridão excessiva nas cenas noturnas em NY.



Ponto muito favorável é o desempenho sem restrições de “entrega” por parte de Mark Webber no papel de ‘William’. Já Catalina Sandino Moreno luta contra uma personagem que acaba soando meio chata em sua indefinição: afinal, o filme é plenamente simpático a ‘William’, mesmo em suas tolices e quando ele perde os tampos. Quem não se identifica com personagem apaixonado por um amor impossível? A trilha sonora é adequada ao clima pretendido e bem inserida no roteiro.



É uma pena que um filme “menor”, mas com alguns pontos de interesse para uma parte da platéia tenha sido lançado de roldão como vem acontecendo no Rio: nem dá tempo para a melhor divulgação que é o “boca-a-boca” entre pessoas com gostos e interesses parecidos.



# UM AMOR JOVEM (THE HOTTEST STATE)

Estados Unidos, 2006

Direção e Roteiro: ETHAN HAWKE

Fotografia: CHRIS NORR

Montagem: ADRIANA PACHECO

Música: JESSE HARRIS

Elenco: MARK WEBBER, CATALINA SANDINO MORENO, ETHAN HAWKE, LAURA LINNEY, SONIA BRAGA.

Duração: 117 minutos



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