Críticas


JUNO

De: JASON REITMAN
Com: ELLEN PAGE, MICHAEL CERA, JENNIFER GARNER.
01.02.2008
Por Luiz Fernando Gallego
CONFORMISMO EM PELE DE IRREVERÊNCIA

Recentemente, o tema da gravidez não-pretendida vem aparecendo com insistência e diferentes abordagens nas telas: em dramas que reciclam uma forma de old-neo-realismo como no badalado romeno 4 Meses, 3 Semanas e 2 dias ; em comédias como Ligeiramente Grávidos (da mesma turma que faz coisas como Superbad – É Hoje e O Virgem de 40 anos); ou em filmes de pretensão doceamarga como Garçonete. A gravidez precoce também já foi tema de documentário brasileiro (Meninas de Sandra Werneck). Chegou a vez de Juno, que nos apresenta uma garota de 16 anos que decidira transar sem cogitar qualquer cuidado anticoncepcional. O resultado é o que ela chama quase sempre de “the thing" (a coisa, aquilo) que ela resolve doar para adoção.



Juno vem sendo citado como um novo Pequena Miss Sunshine em termos de produção modesta para padrões norte-americanos que conquista boas bilheterias e prêmios. Além destas aproximações, há outras semelhanças possíveis. Nestes dois filmes, situações que podem ser amargas na vida fora das telas são apresentadas de forma engraçada e inconseqüente. Se poder rir de nós mesmos e da condição humana é a base de grande parte de obras (-primas - ou nada disso) dentro do formato “comédia”, o que coincide entre a “pequena miss” e a atual imprevidente grávida é o tom conformista disfarçado por uma irreverência de boutique. O relativo nonsense da família Sunshine fazia rir como se fosse ousadia, mas a meta era um "ideal" tão rasteiro como pode ser a ambição máxima de premiação em concurso infantil de miss (ver resenha da época do lançamento deste filme em "Críticas"). O caso de Juno é um pouco mais complicado a partir de suas contradições e dissimulações.



Uma das contradições é que a personagem central desfila o tempo todo uma suposta esperteza e agilidade verbal que não casa muito bem com a inconseqüência de sua performance na vida sexual, quando teria tomado a iniciativa de levar para a cama (ou para uma esperta poltrona) um garoto de ar apalermado e mais para nerd (Michael Cera, de Superbad, que vem utilizando sua expressão naïf para o que é quase sempre o mesmo papel). Pode-se argumentar que adolescentes são assim mesmo, paradoxais, imprevisíveis, podendo mesclar maturidade em algumas áreas e imprevisibilidade em atitudes desconcertantes. Mesmo assim, a premissa daquela exata garota - tal como é interpretada por Ellen Page com as falas pretensamente inteligentes dadas à personagem pelo roteiro – ter planejado “comer” o garoto sem pensar em gravidez, fica bastante forçada.



Maior ainda é o disfarce de filme “moderninho” com jeitinho de “ousado” e “irreverente” que coloca, de saída, outros "ganchos" no mínimo bastante questionáveis. Logo de cara, ‘Juno’ pensa em aborto e vai a uma possível ONG de apoio a mulheres que não querem levar adiante sua gravidez. A caricata atendente masca chicletes de modo grotesco, oferece camisinha (agora?) com sabor, e ainda fala de como deixa cheiro de fruta nos genitais de seu namorado... isso, enquanto várias mulheres aguardam na sala de espera em tomadas rápidas que criam um "clima ruim". A mocinha desiste. Uma coleguinha do tipo “careta”, antípoda de Juno, que fazia campanha isolada anti-aborto do lado de fora da clínica, comenta algo sobre um “milagre” pela desistência do aborto. Gozação? Pode parecer, mas também pode ser o mesmo tom “em cima do muro” de Miss Sunshine que oscilava entre a “comédia maluca” e a crítica mordaz, sempre atenuada pela bizarrice doidinha dos personagens.



Afastada a hipótese de abortar, a alternativa excludente óbvia é a decisão de levar a gravidez adiante, com a solução (?!) de doar o bebê para ser adotado – este é o enredo propriamente dito do filme, deixando no ar uma sugestão de ideário: “não aborte, doe para adoção”. Para levar a trama adiante (que começa a ficar um tanto esticada apesar do filme durar pouco mais de hora e meia), surge o casal yuppie sem filhos, formado por Jeniffer Garner (lembrando uma sub-Julia Roberts) e Jason Bateman (anódino como seu personagem indefinido).



Seguindo o surrado clichê de dividir as cenas ao longo da gestação segundo as estações do ano, o filme vai adiante com ritmo incerto aos trancos e barrancos, eventualmente aliviado pela participação mais inspirada de Allison Janney no papel de madrasta boa-praça da adolescente. Mas a verdade é que tanto o personagem da sempre ótima Allison e do pai da garota (J. K. Simmons) também não convencem em sua bonomia complacente, exceto pela simpatia dos atores.



Mas o que está mais sendo louvado no terreno das interpretações é o desempenho de Ellen Page - que chamou a atenção no sádico Menina Má.com, no qual ela já demonstrava uma inclinação pelo overacting, caracterísitca que agora se acentua pelo próprio perfil que lhe coube no roteiro de Diablo Cody (que diabo de nome é este?). A atriz (na verdade com 20 anos) parece talentosa, mas quase lembra um sucedâneo (bem mais “cool”) de uma Barbra Streisand em What’s Up Doc? (Essa Pequena é uma Parada) ou qualquer outra interpretação que fique entre o blasé e o irreverente. Seu casaquinho com capuz vermelho bem acentuado nas primeiras cenas aludem desagradavel e gratuitamente ao lamentável filme anterior com a mesma atriz.



O deslumbramento de boa parte da crítica norte-americana com este filme retrata bem um modo de olhar para o qual basta um filme não ser “de ação” para enquadramento no que se chama(va) de “filme de arte”. Do mesmo modo, qualquer coisa que pareça “diferente”, “irreverente” ou “ousada”, vai sendo aceita como tal ("independente"), sem atentar para o conformismo (cinematográfico e de idéias) disfarçado sob o verniz de uma – vale o oxímoro - anacrônica contemporaneidade. Em sua resenha de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (ver em "Críticas"), Carlos Alberto Mattos questionou se se trata de proselitismo anti-aborto. Em Juno, a pergunta mais do que procede, aliada ao tom de campanha para adoção, sem maiores qualidades como cinema ou roteiro - mas que está sendo idolatrado nos Estados Unidos.



O pior fica para o final, mas está no início do filme: uma breve informação sobre a mãe da personagem central nos diz que a adolescente não gosta de sua mãe que praticamente a abandonou e lhe envia os mesmos presentinhos em datas festivas: vasinhos com cactus (perceba-se o simbolismo dos espinhos, coisa que os realizadors devem ter achado muito esperto). Por que inserir este dado isolado do restante do filme no roteiro? Trata-se de uma "explicação psicológica"? Pode ser, já que Juno acaba por fazer com seu bebê o que sua mãe fez com ela, o que em psicanálise se chama "identificação com o agressor": no caso, engravidando e "doando" o bebê para outra "mãe" depois de carregá-lo nove meses na barriga. Como psicologia superficial pode até fazer algum sentido, mas é de pésimo gosto estético e fica como um corpo estranho no roteiro que prima por ser tão fake até quando tem uma suposta "explicação" para a seqüência de bobagens que embala em forma de pseudo-esperteza.



# JUNO (idem)

Estados Unidos/Canadá/Hungria, 2007

Direção: JASON REITMAN

Roteiro: DIABLO CODY

Fotografia: ERIC STEELBERG

Edição: DANA E. GLAUBERMAN

Música: MATT MESSINA

Elenco: ELLEN PAGE, MICHAEL CERA, JENNIFER GARNER, JASON BATEMAN, ALLISON JANNEY.

Duração: 96 minutos

Site oficial: http://www.foxsearchlight.com/juno/



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